Ano passado, um leitor me enviou notícia sobre o cacique Raoni Metuktire, que recebeu o título de cidadão honorário de Paris. A capital da França, como salienta o redator, supondo que os leitores contemporâneos já não mais saibam que Paris é a capital da França.
Raoni estava no país em campanha pela suspensão das obras da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu (PA). A prefeitura de Paris informou que a escolha de Raoni foi feita baseada na atuação em defesa da Floresta Amazônica e dos povos indígenas do Brasil.
Os franceses o consideram uma espécie de símbolo de luta pelos direitos humanos, pelo desenvolvimento sustentável e pela conservação da biodiversidade. Raoni é 12º cidadão honorário de Paris. Ao receber o título, Raoni usava trajes indígenas.
Raoni, se alguém não lembra, é aquele cacique que, nos anos 80, exibia orgulhosamente aos jornais a borduna com que matou onze peões de uma fazenda. Não só permaneceu impune, totalmente alheio à legislação brasileira, como foi recebido com honras de chefe de Estado na Europa. O papa João Paulo II, François Mitterrand e os reis da Espanha, entre outros, o receberam como líder indígena. Raoni, com seus belfos, se deu inclusive ao luxo de expor sua pintura em Paris.
Um dos quadros do assassino atingiu US$ 1.600 em uma lista de preços que começava a partir de mil dólares. No final do ano passado, Raoni recebeu o título de Dr. Honoris Causa pela UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso).
Enfim, isso de universidades homenagear assassinos está virando praxe acadêmica. Fidel Ruz Castro também é Dr. Honoris Causa pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina.
Mas, pelo jeito, estadista nenhum se informou sobre a vida pregressa do cacique. Enfim, nestas décadas em que estadistas apertam a mão e abraçam um Kadafi, matar onze peões não é currículo. Os europeus, que há muito acham que o Brasil está invadindo a Amazônia (ouvi este papo de minha professora de sueco, em 1971, em Estocolmo), estão sempre dispostos a apoiar qualquer celebridade que lute contra represas e estradas no Terceiro Mundo.
Leio nos jornais que Raoni continua enganando na Europa. Na quinta-feira passada, finalizou em Paris sua campanha “Amazônia em Risco” com uma boa notícia. Ele conseguiu arrecadar quase 18 mil euros - cerca de 48 mil reais -, para construir uma aldeia indígena na fronteira entre o Mato Grosso e o Pará. O local servirá como proteção da área onde vive a tribo caiapó que estaria ameaçada e tem sido alvo de conflitos intensos.
Detalhe: no começou de sua carreira como líder indígena, Raoni era txucarramãe. Por razões que fogem ao humano entendimento, de repente virou caiapó. A verdade é que nem a imprensa nacional lembra que o cacique matou onze homens indefesos e muito se orgulha. Só lembra quem tem essa mania detestável de consultar arquivos do passado.
Nas duas últimas semanas, o líder indígena encontrou o presidente François Hollande e com o presidente da Comissão Europeia, João Manuel Barroso, na França, além de se reunir com representantes de associações de defesa de meio ambiente na Suíça e na Holanda. Na pauta do cacique estavam a preservação da Floresta Amazônica, a proteção dos povos indígenas e a controversa construção da usina hidrelétrica de Belo Monte cujas obras foram iniciadas em junho de 2011.
Há alguns anos, vi uma reportagem no 60 Minutes sobre uma região da Índia que abrigava quarenta milhões de habitantes. O programa começava mostrando mulheres e crianças carregando em baldes, para próprio consumo, uma água preta e lamacenta. Outras juntavam esterco de vaca, usado como combustível.
Havia um projeto de uma represa para abastecer de energia elétrica e água potável a região toda. Uma ONG vetou o projeto junto ao Banco Mundial, com a argumentação de que a represa ameaçava uma espécie qualquer de tigre. A represa gorou e quarenta milhões de pessoas continuaram a beber água podre e cozinhar com esterco de vaca.
A reportagem entrevistava em Nova York, em um elegante apartamento, a porta-voz da ONG que conseguiu sepultar a represa. Não sei se a moça percebeu a ironia, mas o repórter a filma enchendo um copo de límpida água de torneira.
O repórter quer saber porque privar milhões de pessoas de água limpa. A moça dizia mais ou menos o seguinte (cito de memória): não queremos que aquelas populações adquiram os hábitos de consumo do Ocidente. É como se dissesse: esses hábitos do Ocidente são privilégios de ocidentais. Vocês aí, continuem catando esterco de vaca.
Nos dias em que vivi no Paraná, durante semanas foi vedete dos noticiários televisivos um pequeno pássaro, uma espécie de pardal, que estaria ameaçado de extinção. Chamava-se curiango-do-banhado e habitava nos arredores de Curitiba.
Durante longos minutos, o bichinho era exibido em seus ângulos mais simpáticos, sempre com a mensagem: corre perigo de extinção. Ano seguinte, foi a vez de uma nova espécie de tapaculo, da família Rhinocryptidae, batizada com o nome popular de macuquinho-da-várzea. Também vivia nos arredores de Curitiba.
Algumas semanas mais tarde se soube ao que vinham o curiango-do-banhado e o macuquinho-da-várzea. Para preservá-los, era preciso preservar seu habitat natural. E para preservar seu habitat natural, as tais de ONGs fizeram uma ferrenha campanha para impedir a construção de uma barragem que abasteceria a capital paranaense.
Os ativistas do Primeiro Mundo sempre apoiarão qualquer vivaldino – não importa quantos tenha assassinado – que defendem causas que impedem ou retardam o desenvolvimento do Terceiro Mundo.
Imagine alguém exigindo a paralisação da construção de uma usina hidrelétrica na França, Alemanha ou Estados Unidos, logo nestes dias em que a energia nuclear vem sendo contestada.
Seria tido como insano. Mas se a represa – ou usina – for no Brasil, é atentado ao meio-ambiente e aos “povos da floresta”, como agora se convencionou chamar os bugres.
Toda honra e toda glória – e também euros – ao assassino Raoni.
16 de dezembro de 2012
janer cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário