"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

INTERVENÇÃO INACREDITÁVEL

 

E muito clara a fronteira entre as atitudes compreensíveis e as inaceitáveis de um ex-presidente da República, quando se trata de seu relacionamento com os integrantes de seu partido no poder.
Essa fronteira não muda mesmo que o ex-presidente tenha sido um dos mais populares da história, seja personagem de prestígio internacional, prodígio no cálculo político e virtuose na leitura da vontade das maiorias.
Não muda também mesmo que os correligionários no poder tenham sido inventados para a política por ele e tenham conquistado o cargo guiados por sua bússola instintiva.
 
Enfim, continuam existindo atitudes compreensíveis e inaceitáveis mesmo quando é Lula o ex-presidente em questão e os aliados no poder são Dilma Rousseff e Fernando Haddad, dois "postes" transformados em sucessos eleitorais. O que Lula fez com Haddad na semana passada, e seus próximos asseguram que ele planeja fazer com a presidente Dilma, se enquadra no campo dos comportamentos inaceitáveis.
 
Lula pode e deve ser consultado por Dilma e Haddad. Ele tem mais experiência e habilidade política que a presidente e o prefeito de São Paulo. É compreensível que possa aconselhá-los, alertá-los e até pedir para ser ouvido por eles em momentos decisivos.
 
O que não é aceitável é Lula conspirativamente submeter um chefe do Executivo ao humilhante papel de subordinado, como ele fez com Fernando Haddad, na quarta-feira passada, na sede da prefeitura de São Paulo.
A intervenção branca de Lula foi descrita nos jornais por manchetes estranhamente acríticas que deram contornos de naturalidade a um evento torto:
"Lula se reúne com equipe de Haddad e dá diretrizes" (Folha de S.Paulo); "Lula recomenda parcerias a Haddad" (O Estado de S. Paulo); "Lula reúne secretariado de Haddad" (O Globo).
 
Um dos jornais comprou ingenuamente a plantação dos lulistas de que em reunião semelhante, no próximo dia 25, Dilma seria orientada a respeito de "projetos estratégicos e uma agenda de viagens presidenciais".
É quase impossível que a presidente caia na armadilha que pegou Haddad. Dilma pode não ter as mesmas habilidades políticas do antecessor, mas, com certeza, distingue com perfeição o compreensível do inaceitável.
 
21 de janeiro de 2013
Veja (21.01.13)

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