"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 24 de fevereiro de 2013

ARTES E ANÁLISES VELHAS

 

A arte da capa do folheto e dos cartazes comemorativos dos 10 anos do PT foi comparada à estética gráfica dos regimes totalitários de direita e de esquerda. Parece mesmo. Aquelas fotos enormes das duas cabeças em um corpo, e um povo miúdo em comemoração, evoca a idolatria personalista de regimes autoritários. O texto é ainda mais discutível.
A versão de que a virtude absoluta está de um lado, e toda a maldade se concentra nos adversários, é bizarra. Hoje, após quase três décadas de democracia, o país foi exposto ao contraditório, teve decepções, aprendeu nuances, vê com espírito crítico mesmo aqueles nos quais vota.

É fazer pouco da inteligência dos brasileiros. Eles não são adoradores infantilizados de líderes macrocéfalos, mas cidadãos capazes de pensar criticamente.

A história democrática recente não está dividida em dois períodos — os anos desastrosos e os anos gloriosos. É uma simplificação grosseira, só aceitável em regimes que controlam a opinião pública, o que é impossível na democracia. Há nuances, virtudes e defeitos nos dois períodos de governo.
Há diferenças até dentro de um mesmo período presidencial.
O período Palocci é diferente da gestão Mantega, por exemplo, com superioridade para o primeiro, que preservou a estabilidade da moeda, conquistada no governo anterior. O segundo tem tomado decisões perigosas na área fiscal e monetária.

No texto, há um trecho que diz: “A teoria do bolo, de que somente após a economia crescer seria possível distribuir, se tornou uma referência a não ser questionada.” Tal teoria do bolo não foi invenção de nenhum adversário do PT, mas do seu neoamigo Delfim Netto.

Os redatores da cartilha não conseguem provar a tese de que um período concentrou renda e o outro distribuiu. Nos números que contrapõe, admite que houve redução da desigualdade, medida pelo Índice Gini, nos dois períodos.
Houve mais redução no governo Lula, mas o processo virtuoso começou após a estabilização da moeda. Só é possível fazer políticas sociais eficientes quando há inflação sob controle.

O PT tem erros a omitir e virtudes a exibir. Fiquemos na segunda parte: a ampliação da rede de proteção social. Mas os dados do próprio governo mostram que o programa anterior estava transferindo R$ 4 bilhões no fim do governo Fernando Henrique. No governo Lula, R$ 15 bilhões, e agora, R$ 23 bilhões. O programa mudou de nome e foi ampliado e aperfeiçoado. Omite-se que a ideia original da campanha de 2002 era distribuir vales para trocar por alimentos. Felizmente, a ideia obsoleta foi abandonada.

O texto alega que nos anos petistas foi feita a organização das finanças públicas, o que na verdade foi um trabalhoso esforço que consumiu anos até se chegar à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Isso tem sido ameaçado pela alquimia contábil. Em dado momento da cartilha, eles dizem que nos anos petistas o crescimento do PIB por habitante foi de 2,2%. No final desta semana, será confirmado que em 2012 o PIB per capita teve crescimento zero.

Peça de propaganda publicitária não é para dialogar com sinceridade, mas para construir uma versão a ser vendida ao eleitorado.
O problema é que faltam 18 meses para o período oficial da campanha eleitoral e o governo precisa governar.

Explicações maniqueístas têm um defeito básico: elas anulam o espaço para a conversa inteligente.
O início extemporâneo de campanha põe em risco a ação sóbria do governo para corrigir o rumo na
direção do que o país quer, seja quem for que o governe: desenvolvimento com moeda estável.

24 de fevereiro de 2013
Míriam Leitão, O Globo

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