"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 24 de fevereiro de 2013

"2005, O ANO QUE NÃO EXISTIU".

 



“Nós não herdamos nada, nós construímos”, discursou a presidente Dilma Rousseff, no palanque da festa organizada pelo PT, em São Paulo, para celebrar os dez anos do partido no poder. Foi o ”decênio que mudou o Brasil”, o “decênio glorioso”, nas palavras da cartilha propagandística distribuída no evento, trazendo o balanço dos avanços econômicos e sociais obtidos nos anos petistas. Na figura de presidente da República, Dilma soube ser magnânima.

Em 2011, em carta enviada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que completava 80 anos, ela afirmou que o tucano foi “o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica” e ”essencial para a consolidação da democracia brasileira”.

No palanque de candidata à reeleição, Dilma fez ecoar o discurso de seus partidários: antes do PT, eram o caos e o abismo.

O PT atribui a si conquistas para as quais seu governo pouco contribuiu (veja o quadro abaixo), num típico embaralhamento entre causas e consequências.

O grande feito econômico dos petistas foi preservar a essência da política econômica herdada por eles. Na verdade, na condução da economia o PT sempre foi mais bem-sucedido quando se manteve longe de suas antigas ideias. É inegável o avanço do país em inúmeras áreas desde 2003, entre elas a redução contínua da desigualdade e o aumento na renda dos mais pobres.
 Mas, em seu discurso no palco da celebração petista, o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva confidenciou, inadvertidamente, que precisou assumir uma rota diferente da original para comandar o país.

“Passei dez dias sem querer aceitar a carta, porque tinha de mudar parte da minha história”, afirmou Lula, ao se referir à histórica Carta ao Povo Brasileiro, documento apresentado durante a campanha eleitoral de 2002 no qual o PT assumia, caso saísse vitorioso, o compromisso de manter os fundamentos econômicos do país, como a estabilidade dos preços, o equilíbrio fiscal e o respeito aos contratos.
O PT construiu a partir daquilo que herdara, colheu os resultados e ganhou as duas eleições seguintes.

Na economia, o PT acertou ao negar os seus princípios anteriores. Na política, deu-se o inverso.

“No exercício do governo, o PT passou a compor amplas alianças políticas e sem critério”, afirma o historiador Marco Antonio Villa. “A ética foi jogada na lata do lixo para priorizar o projeto de assumir o governo e se manter no poder por um longo período. O PT percebeu que isso era possível estabelecendo alianças com velhos coronéis da política e entregando a eles parcelas do aparelho de estado”, completa Villa.
 
O partido que se vendia como a última vestal na política brasileira criou o mensalão, o maior caso de corrupção da história brasileira.
 
“O PT inovou na corrupção”, afirma o sociólogo Demétrio Magnoli. “Antes da chegada do partido ao poder, a corrupção era uma operação fragmentária, não obedecia a um comando central. Com ele aparece uma quadrilha organizada dentro do partido e dentro do governo.
Outra novidade é que, com o mensalão, se procura legitimar o ato de desvio de recursos públicos em nome do progresso do país, pois é realizado pelo partido que encarna essa ideia.” Sem um pingo de autocrítica, os petistas ignoraram completamente o mensalão nas comemorações da semana passada. No palanque da festa em São Paulo, Lula discursava que o partido ”não tem medo de comparação, inclusive comparação em debate sobre corrupção”.
 
Na plateia, a atestar o destemor dos petistas diante da Justiça e da opinião pública, os recém-condenados José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), João Paulo Cunha (ex-presidente da Câmara) e José Genoino (ex-presidente do PT) circulavam pela festa, sempre assediados pela militância.
O desejo de reescrever a história ficou explícito em um mural colocado no Senado, celebrando o decênio petista. O ano de 2005, quando foi revelado o mensalão, foi simplesmente suprimido.
 
Compreende-se a ânsia de sublimar aquele ano — a cada novo depoimento, a cada nova prova, ficava mais nítida a dimensão do maior escândalo de corrupção da história do Brasil.
 
No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal condenou 25 envolvidos e selou o veredicto definitivo sobre o mensalão. Para os petistas, 2005 é mesmo um ano para esquecer. Mas os brasileiros não se olvidam.


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24 de fevereiro de 2013
Augusto Nunes, Veja

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