Se ainda gozava de alguma credibilidade, a política nacional de controle de gastos sofreu um novo abalo com a decisão de afrouxar mais as já cambaleantes metas de superavit primário (saldo de receitas e despesas públicas antes dos dispêndios com juros da dívida).
A novidade libera o governo federal da obrigação de compensar com recursos próprios o que Estados e municípios deixarem de poupar. A meta para 2014 continua em R$ 167,4 bilhões (3,1% do PIB), mas o Planalto pode agora optar por não compensar os R$ 51 bilhões de saldo que deveriam vir de outros níveis de governo.
Como também será facultativo deduzir R$ 67 bilhões em investimentos do PAC e em desonerações tributárias, o abatimento pode chegar a R$ 118 bilhões. Ou seja, 70% da meta pode desmanchar-se no ar.
Na prática, o governo admite fazer um superavit primário inferior a 1% do PIB, mas sem deixar de cumprir o objetivo fixado na lei orçamentária. De afrouxamento em afrouxamento, perde tração na máquina estatal o impulso de austeridade simbolizado pela meta rigorosa, neste ano e no próximo.
Isso é péssimo, por duas razões principais. A primeira é o nexo claro entre relaxamento fiscal e inflação no Brasil. Quanto maior é o gasto público, maior é a demanda por produtos e serviços. Como a oferta não cresce no mesmo ritmo, o resultado é elevação de preços.
Em estudo recente, o Banco Central concluiu que nos últimos cinco anos a contenção orçamentária ajudou no controle da inflação só em 2011. Nos outros, o governo federal foi neutro ou jogou contra, adicionando demanda à economia já aquecida e com dificuldades para aumentar o investimento.
A segunda razão está no equilíbrio das contas do Estado. É enganosa a justificativa do Planalto de que apenas pratica uma política anticíclica (permitir aumento de gastos, temporariamente, para contrabalançar o PIB fraco).
Há risco de que a anemia econômica se revele persistente, o que já dura três anos. Se a receita de impostos não acompanhar os gastos crescentes, as contas oficiais enfrentarão desequilíbrio estrutural.
Em outros termos, se de fato o saldo primário ficar em torno de 1% do PIB em 2013 e 2014, é provável que a dívida pública volte a subir --o que seria uma reviravolta no padrão dos últimos dez anos.
O caminho do afrouxamento, assim, leva a presidente Dilma Rousseff a abandonar a âncora de uma relação dívida/PIB em nível baixo, que ainda autorizava a confiança de que o Brasil não venha a repetir tantos erros do passado.
17 de abril de 2013
Editorial da Folha de S Paulo
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