A apuração que faltava
Dois procuradores-gerais da República que trataram do mensalão, Antonio Fernandes de Souza e Roberto Gurgel, não encontraram motivos para incluir o nome de Luiz Inácio Lula da Silva entre os 40 denunciados pelo primeiro, em 2006, por envolvimento com a "organização criminosa" que usava dinheiro público e privado para comprar votos de deputados em favor do governo.
Nem o Supremo Tribunal Federal (STF), que aceitou a denúncia no ano seguinte e ordenou a inquirição de mais de 500 testemunhas no curso da ação penal, foi além de mandar ouvir, nessa condição, o ainda presidente.
Ele afirmou então que só havia tomado conhecimento do presumível esquema de corrupção de parlamentares quando trazido à tona, em meados de 2005, pelo então deputado Roberto Jefferson. No mínimo dos mínimos, Lula teria sido alertado para o que se dizia no Congresso.
Uma vez, pelo próprio Jefferson, segundo o qual o presidente chorou ao ouvir o relato, em um encontro no Planalto. Outra, pelo governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo, ao compartilharem um carro oficial. Isso, por sinal, explicaria a intenção do já ex-presidente de ver o interlocutor politicamente liquidado na CPI do Cachoeira, no ano passado.
Sem falar na desesperada declaração do ex-ministro José Dirceu, para se defender das acusações de Jefferson: "Nunca fiz nada que o presidente não soubesse".
Pelo seu testemunho, Lula também não conhecia o operador da maracutaia, o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza, que viria a ser condenado a mais de 40 anos de prisão por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Mas foi ele quem disse conhecer a participação do titular do governo nas traficâncias englobadas no termo mensalão.
Conforme revelou o Estado três meses depois, em setembro passado Valério procurou a Procuradoria-Geral da República para abrir, digamos, o coração. Foi uma óbvia e afinal malograda tentativa de ter abrandada a inevitável punição que lhe reservava o STF.
Ouvido por duas procuradoras, o réu declarou, entre outras coisas, que Lula aprovou, numa reunião em pleno Palácio do Planalto, as operações financeiras que abasteceriam o suborno dos deputados. Ele acusou também o presidente de negociar com a Portugal Telecom o envio de recursos ilícitos ao PT. Lula ainda teria recebido pelo menos R$ 98.500 do mensalão para indeterminadas "despesas pessoais".
O procurador-geral Roberto Gurgel preferiu esperar o fim do julgamento do processo para tomar providências - a remessa das 13 páginas contendo as palavras, às vezes telegráficas, do publicitário à primeira instância. Não poderia ser de outra forma, pois, como ex-presidente, Lula perdera o direito ao foro privilegiado.
Após ir e voltar de Minas Gerais, o material foi parar na Procuradoria da República no Distrito Federal, que instaurou seis procedimentos preliminares para analisar as acusações - em relação às quais, ao se manifestar pela primeira vez sobre o assunto, Gurgel comentou que não tinham nada de "bombástico". Na sexta-feira passada, por fim, o órgão pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito específico sobre o caso Telecom.
De acordo com Valério, Lula e o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reuniram-se certa vez no Palácio do Planalto com Miguel Horta, à época presidente da antiga estatal portuguesa, privatizada em 1996. Ele se comprometeu a transferir R$ 7 milhões para o PT, por intermédio de uma fornecedora da empresa em Macau.
O dinheiro, disse Valério, foi depositado em contas de publicitários que haviam prestado serviços ao partido. Horta nega tudo. Não obstante, em 2005, acompanhado de um advogado e de um dirigente do PTB, o publicitário foi a Lisboa - alegadamente a mando de José Dirceu - para acertar a doação da Portugal Telecom aos dois partidos, consumada naquele ano. Lula pode, ou não, ter se envolvido na história.
Chamar Valério de "mentiroso", como fez quando o Estado divulgou o depoimento, é direito do ex-presidente, mas não torna menos necessária a investigação, que decerto irá além da palavra de um contra a palavra de outro. O mensalão deve ser apurado até o fim.
09 de abril de 2013
O Estado de S.Paulo
Nem o Supremo Tribunal Federal (STF), que aceitou a denúncia no ano seguinte e ordenou a inquirição de mais de 500 testemunhas no curso da ação penal, foi além de mandar ouvir, nessa condição, o ainda presidente.
Ele afirmou então que só havia tomado conhecimento do presumível esquema de corrupção de parlamentares quando trazido à tona, em meados de 2005, pelo então deputado Roberto Jefferson. No mínimo dos mínimos, Lula teria sido alertado para o que se dizia no Congresso.
Uma vez, pelo próprio Jefferson, segundo o qual o presidente chorou ao ouvir o relato, em um encontro no Planalto. Outra, pelo governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo, ao compartilharem um carro oficial. Isso, por sinal, explicaria a intenção do já ex-presidente de ver o interlocutor politicamente liquidado na CPI do Cachoeira, no ano passado.
Sem falar na desesperada declaração do ex-ministro José Dirceu, para se defender das acusações de Jefferson: "Nunca fiz nada que o presidente não soubesse".
Pelo seu testemunho, Lula também não conhecia o operador da maracutaia, o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza, que viria a ser condenado a mais de 40 anos de prisão por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Mas foi ele quem disse conhecer a participação do titular do governo nas traficâncias englobadas no termo mensalão.
Conforme revelou o Estado três meses depois, em setembro passado Valério procurou a Procuradoria-Geral da República para abrir, digamos, o coração. Foi uma óbvia e afinal malograda tentativa de ter abrandada a inevitável punição que lhe reservava o STF.
Ouvido por duas procuradoras, o réu declarou, entre outras coisas, que Lula aprovou, numa reunião em pleno Palácio do Planalto, as operações financeiras que abasteceriam o suborno dos deputados. Ele acusou também o presidente de negociar com a Portugal Telecom o envio de recursos ilícitos ao PT. Lula ainda teria recebido pelo menos R$ 98.500 do mensalão para indeterminadas "despesas pessoais".
O procurador-geral Roberto Gurgel preferiu esperar o fim do julgamento do processo para tomar providências - a remessa das 13 páginas contendo as palavras, às vezes telegráficas, do publicitário à primeira instância. Não poderia ser de outra forma, pois, como ex-presidente, Lula perdera o direito ao foro privilegiado.
Após ir e voltar de Minas Gerais, o material foi parar na Procuradoria da República no Distrito Federal, que instaurou seis procedimentos preliminares para analisar as acusações - em relação às quais, ao se manifestar pela primeira vez sobre o assunto, Gurgel comentou que não tinham nada de "bombástico". Na sexta-feira passada, por fim, o órgão pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito específico sobre o caso Telecom.
De acordo com Valério, Lula e o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reuniram-se certa vez no Palácio do Planalto com Miguel Horta, à época presidente da antiga estatal portuguesa, privatizada em 1996. Ele se comprometeu a transferir R$ 7 milhões para o PT, por intermédio de uma fornecedora da empresa em Macau.
O dinheiro, disse Valério, foi depositado em contas de publicitários que haviam prestado serviços ao partido. Horta nega tudo. Não obstante, em 2005, acompanhado de um advogado e de um dirigente do PTB, o publicitário foi a Lisboa - alegadamente a mando de José Dirceu - para acertar a doação da Portugal Telecom aos dois partidos, consumada naquele ano. Lula pode, ou não, ter se envolvido na história.
Chamar Valério de "mentiroso", como fez quando o Estado divulgou o depoimento, é direito do ex-presidente, mas não torna menos necessária a investigação, que decerto irá além da palavra de um contra a palavra de outro. O mensalão deve ser apurado até o fim.
09 de abril de 2013
O Estado de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário