"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 28 de abril de 2013

O BRASIL E A PEC 37 - QUANTO MAIS CONTROLE, MELHOR


Controlar os controladores foi sempre um desafio à inteligência institucional das sociedades políticas. Os Estados se constroem e, eventualmente, desenvolvem-se ou retrocedem, entre dois pólos da razão: o da anarquia absoluta e o da ordem absoluta, que só se obtém com a tirania. Entre essas duas tendências antípodas, equilibra-se, no centro, o estado republicano democrático.

A visão aristotélica do homem é a de que ele é uma passagem entre o animal e o anjo. Esse caminho à perfeição se deve a duas categorias do espírito, a inteligência e a ética. Nem sempre a inteligência é servidora da ética, como nem sempre a lógica é servidora da razão. Como advertem antigos pensadores, conhecer é dominar.

O Estado, qualquer que seja a ideologia que o mova, é necessariamente coercitivo. Cabe-lhe manter corpos policiais, a fim de garantir a coesão da sociedade e o exercício da justiça, de acordo com suas normas. Quando essas normas se originam na vontade geral, elas se legitimam no contrato social; são “leis”, laços irrompíveis. Quando as normas são impostas pela tirania, ou pela solércia, é direito e, eticamente, dever da cidadania rebelar-se, com todos os riscos que a sublevação acarreta.

Estamos agora diante de estranha proposta de emenda constitucional, que veda ao Ministério Público a iniciativa e o poder investigatório, reservando-o apenas aos órgãos policiais. O Ministério Público – como, de resto, nenhuma organização humana – não é perfeito. Antes e depois que a Constituição de 1988 lhe ampliasse os poderes, há o registro de promotores e procuradores envolvidos em atos deploráveis, que vão do abuso de autoridade à extorsão e ao homicídio sem atenuantes.

DO MESMO MAL…

Do mesmo mal padece o Poder Judiciário, conforme a denúncia de conhecidos e respeitáveis magistrados. E com raras exceções, os Procuradores Gerais da República, escolhidos mediante o mandamento constitucional de 1988, têm sido contestados por partidarismo, seja na submissão ao governo, seja no exercício de dissimulada oposição. Entre essas exceções, é de justiça mencionar os juristas Aristides Junqueira, Cláudio Fontelles e Antonio Fernando de Souza.

A PEC-37 quer cercear o Ministério Público. A iniciativa da proposta é de um obscuro deputado federal pelo Maranhão, delegado de polícia do Estado, eleito por partido ainda mais obscuro, o mal chamado PT do B.

De acordo com o projeto, um parágrafo, castrador do MP, será acrescentado ao artigo 144 da Constituição, determinando que os crimes contra o patrimônio público e, também, os cometidos pelas autoridades do Estado – bem como quaisquer outros delitos – sejam apurados privativamente pela Polícia Federal, e pelas organizações policiais dos Estados e do Distrito Federal.

O que se pretende é impedir que o Ministério Público, ao investigar os delitos, acompanhe a ação policial e, ao acompanhá-la, fiscalize seus atos, como é de seu dever.

Contra essa violação da Carta de 1988, que emascula o Ministério Público e o esvazia de uma de suas mais importantes missões, várias entidades, nacionais e internacionais, redigiram e divulgaram a Carta de Belo Horizonte. O documento é firmado, em primeiro lugar, pelo Ministério Público de Minas Gerais, e em seguida, pela Associação Mineira do Ministério Público e mais de uma dezena de outras organizações.

É de se ressaltar a adesão do Sindicato dos Policiais Federais de Minas Gerais. Mas a reação contra o absurdo não se limita a Minas. Em todo o Brasil, cidadãos conscientes se erguem na defesa do bom senso.

Quando, por iniciativa da Comissão Arinos, se discutiam as idéias diretrizes da Constituição Democrática – que seria promulgada em 1988 – setores da Polícia Militar e das organizações policiais dos Estados reivindicaram a unificação da atividade. Os constituintes souberam impedir esse absurdo. Para a garantia do Estado de Direito, quanto mais organizações policiais houver, melhor.

A emulação entre elas é boa. É bom que exerçam competição umas com as outras, só assim podem servir bem ao País. Também, e por iniciativa do Ministério Público, como já vem ocorrendo, é necessário que elas se investiguem entre si.

AO ARBÍTRIO

Uma polícia unificada quase sempre se presta ao arbítrio do poder executivo, quando não faz desse poder e dos outros poderes reféns de seus próprios interesses. Quando um delegado de polícia, de qualquer polícia, se sente isento do controle de outra instituição independente – como são o MP e o Poder Judiciário – os direitos dos cidadãos deixam de existir.

O princípio de checks and balances – do controle recíproco entre os poderes do Estado – não deve cingir-se ao seu cimo – mas descer a todos os níveis da administração pública.

Se, sob a fiscalização institucional do Ministério Público, há tantas violações aos direitos humanos por parte da polícia, imagine-se o que ocorrerá sem isso. E se registre que as organizações policiais, tanto as militares, quanto as civis, são constituídas, em sua maioria absoluta, por pessoas honradas e corajosas.

Elas sabem que podem perder a vida durante sua repressão ao crime, como tantas vezes se noticia. Essas virtudes, no entanto, não podem elevá-las à condição do poder político, esse, sim, privativo do povo que o delega aos seus representantes na direção do Estado.

O lobby policial em favor da emenda 37 pode não significar isso, mas faz supor que os delegados que a defendem querem ficar sozinhos nas investigações dos crimes financeiros e das quadrilhas organizadas.
Só eles conhecem as suas razões. E essas não são as razões da sociedade nacional.

28 de abril de 2013
Mauro Santayana (JB)

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