Com produção em alta, inflação em queda, finanças públicas em ordem e contas externas bem sólidas, o Brasil vai bem, no mundo imaginário do Ministério da Fazenda, retratado na edição de março do boletim Economia Brasileira em Perspectiva. Nesse universo de fantasia, o único fator de perturbação é a crise internacional.
Sem ela, a situação do País seria ainda mais brilhante. Mas essa história feliz se desfaz quando se examinam com alguma atenção os números divulgados pelas próprias fontes oficiais. Exemplo: com um buraco de US$ 67 bilhões, o Brasil exibiu nos 12 meses terminados em março o pior resultado das contas externas desde 2002.
O rombo acumulado nas transações correntes com o exterior chegou a 2,93% do PIB. As transações correntes englobam a balança comercial, a conta de serviços e as transferências unilaterais. No boletim da vida cor-de-rosa, os resultados são "estáveis" e facilmente financiáveis com investimentos estrangeiros diretos.
Os fatos desmentiram essa última afirmação nos 12 meses terminados em março, quando aqueles investimentos somaram US$ 63,6 bilhões. Foi necessário, portanto, completar com outros recursos, provavelmente mais especulativos, a cobertura do buraco.
A realidade conflita com a avaliação do Ministério da Fazenda em muitos outros pontos. O comércio vai mal, as importações têm crescido bem mais que as exportações e o País continua muito dependente das exportações de commodities para a China e outros mercados emergentes - uma tendência resultante dos erros cometidos pela diplomacia comercial petista a partir de 2003.
No mundo imaginário do Ministério da Fazenda, a economia brasileira retomou com firmeza o crescimento, depois de dois anos de fiasco. O fracasso de 2011 e 2012 é atribuído, naturalmente, às más condições internacionais.
Como de costume, evita-se um tema delicado e incômodo: o desempenho muito melhor de outras economias em desenvolvimento. A nova fase de prosperidade brasileira, segundo o boletim, será sustentada por investimentos crescentes. Em 2012, o governo e o setor privado investiram o equivalente a 18,1% do PIB. A proporção havia chegado a 19,5% em 2010.
Para 2013 o Ministério projeta um número maior que o de 2012, sem bater, no entanto, em 20% do valor do produto interno. A projeção indica uma trajetória de alta contínua até 24% do PIB em 2018. Nesse momento, o País estará investindo, talvez, o necessário para um crescimento sustentável de uns 5% ao ano ou pouco mais.
A aplicação de recursos em máquinas, equipamentos, construções privadas e infraestrutura continuará, portanto, muito abaixo do volume necessário por vários anos. Isso é uma confissão de impotência feita com palavras de otimismo e de confiança.
A embromação fica mais evidente quando se apresentam detalhes das grandes vitórias da política econômica. Segundo o relatório, já se aplicaram R$ 328,2 bilhões nos projetos do PAC 2, tendo sido concluídos 46,4% das ações previstas. Como de costume, a realização mais vistosa foi a destinação de dinheiro ao programa Minha Casa, Minha Vida - R$ 188,1 bilhões, ou 57,3% do total empregado.
Estimular a construção habitacional pode ser muito bom, mas investimentos planejados para aumentar a produtividade e a competitividade da economia nacional pertencem a categorias muito diferentes. Em energia, por exemplo, foram gastos apenas R$ 108,1 bilhões. Em transportes, míseros R$ 27,7 bilhões, apenas 8,4% dos R$ 328,2 bilhões aplicados no PAC 2. Nada mais natural, portanto, que as dificuldades para levar aos portos a soja destinada à exportação.
Quanto às contas públicas, aparecem no boletim como em ótimas condições. Não há uma palavra, é claro, sobre a contabilidade criativa para o fechamento das contas fiscais nem sobre o mal disfarçado endividamento do Tesouro para apoiar os bancos públicos. Muito menos uma palavra sobre o uso desse dinheiro para financiar empresas escolhidas para ser campeãs nacionais nem sobre a quebra de várias dessas favoritas da corte.
28 de abril de 2013
Editorial do Estadão
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