"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 5 de abril de 2013

UM LIVRO FASCINANTE

 

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Não é novo nem nada, mas já que falei dele…
Deixei pendurada no final da última postagem a indicação do livro de Luis Felipe de Alencastro, O Trato dos Viventes, sobre “a lógica triangular do sistema de colonização português” falando em aventuras e personagens fascinantes, mas sem dar nenhuma pista a mais sobre esse lado saborosíssimo dessa obra tão original da excepcional produção historiográfica brasileira dos últimos anos.
Pois lá vai.

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Quando os holandeses tomaram Pernambuco, conhecedores da dependência da economia canavieira do Brasil dos escravos africanos, eles tomaram também Angola, de modo a estrangular pelas duas pontas o esquema colonial português.

Portugal montou três expedições para tentar recuperar Angola e fracassou sempre.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, Salvador de Sá, uma figura impressionante para seu tempo que tinha ambições sobre o continente inteiro, tendo casado suas filhas com poderosos de Buenos Aires e das minas do Potosi, no Peru, via seus canaviais minguarem em função da interrupção do fluxo de escravos.

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Decidiu, então, não esperar mais pelas ações da coroa portuguesa já muito enfraquecida. Ele que, alguns anos antes, tinha construído o maior navio de seu tempo que desfilou com grande alvoroço pelos principais portos europeus para os quais mais de um rei e até o papa se deslocaram para ver com os próprios olhos aquela “maravilha tecnológica”, entendeu que era tempo de por mãos a obra.

Ali mesmo, na Baia de Botafogo, construiu uma grande esquadra, e enquanto a armava, enviou seus emissários para arregimentar os mais temíveis e experimentados guerreiros da colônia.

Seus navios partiram para a costa de Angola levando índios, capoeiras e bandeirantes de São Paulo calejados no uso da espada e do arco.

Para não caracterizar um ato de rebeldia, uma única nau tomou o rumo Nordeste e seguiu para Lisboa levando uma carta em que Salvador “pedia ordem ao rei” para atacar Angola.

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Mas os dados já tinham sido lançados.
O desembarque em Angola é qualquer coisa de memorável. As tribos locais, que tinham escorraçado os portugueses três vezes, usavam uma espécie de machadinha que conseguia romper as armaduras europeias, o que tinha determinado sua vitória.
Mas antes de precisarem usá-las, recebiam os invasores soltando na praia dezenas de leões famintos o que, em geral, provocava pânico e desorganização entre os inimigos.
Só então atacavam.

Os feras de Salvador de Sá, entretanto, levaram a melhor sobre as feras dos africanos com as quais muitos se atracaram em lutas corpo-a-corpo e, na sequência, caíram em cima dos seus donos e retomaram Angola.

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Nesse meio tempo um navio vindo de Lisboa aportava no Rio com uma carta indignada do rei proibindo seu vassalo de meter-se com as suas conquistas e ir a Angola. É claro que, meses depois, ao saber do resultado da desobediência, sua majestade não só perdoou o súdito voluntarioso como premiou-o com a prerrogativa de escolher o novo governador de Angola (não me lembro se não foi ele próprio, aliás, que ocupou esse cargo).
O fato é que desde então Angola foi sempre governada por portugueses do Brasil…

Está aí, portanto, uma janelazinha para vislumbrar a ancestralidade das relações especiais entre Brasil e Angola, que vão além da dívida moral e da contribuição cultural dos “emigrados” forçados de lá para cá, teve mão dupla, e para ter-se um gostinho do sabor deste livro que proporciona a quem o lê uma outra visão do que comumente se aprende por aqui sobre a História do Brasil.
Vale a pena lê-lo.

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05 de abril de 2013
vespeiro

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