Artigos - Movimento Revolucionário
Golbery e os militares anticomunistas de outrora (e de hoje) perderam a batalha político-ideológica por uma razão simples: lutaram a guerra presente achando que esta seria combatida como foi a anterior.
Conhecido como o principal ideólogo do Governo Militar brasileiro iniciado em 1964 e Ministro Chefe da Casa Civil dos dois últimos generais-presidentes, Golbery do Couto e Silva foi também o grande arquiteto da abertura do Regime que ajudou a criar.
A distensão, “lenta, gradual e segura”, iniciada sob sua batuta já no governo Geisel, prepararia o retorno da democracia ao país e a volta dos partidos políticos.
Segundo os cálculos de Golbery, uma vez que a esquerda armada já havia sido derrotada no campo de batalha, uma nova esquerda poderia assumir seu lugar.
Para o “bruxo”, o problema da esquerda combatida pelo Regime era o fato de ser, justamente por seu caráter revolucionário, um movimento anti-sistêmico.
Sua idéia era patrocinar a criação de uma esquerda ligada aos sindicatos e às reinvidicações trabalhistas usuais – uma esquerda "administrável" - que não fosse revolucionária e respeitasse as regras.
O ideólogo acreditava que o sindicalismo do final dos anos 1970 e início dos anos 1980 estaria divorciado da concepção marxista de “lutas de classes” e priorizaria disputas e acordos salariais.
Golbery alimentou os opositores do regime – entre eles, o próprio ex-presidente Lula, na época, líder das greves do ABC paulista - cedendo-lhes espaço, acreditando que estava preparando a oposição democrática ao legado de 1964.
Por isso, apesar da propaganda atual, que pinta a esquerda como grupo perseguido e marginalizado durante o Regime Militar, já nos anos 1970, os esquerdistas e suas idéias passaram a dominar o ambiente universitário e acadêmico, os sindicatos, as produções culturais e a imprensa, com o beneplácio do próprio governo militar (ver, por exemplo, os artigos de Olavo de Carvalho sobre a “imprensa nanica”:
http://www.midiasemmascara.org/artigos/desinformacao/12600-o-mito-da-imprensa-nanica-1.html e a continuação aqui: http://www.midiasemmascara.org/artigos/desinformacao/12606-o-mito-da-imprensa-nanica-2.html).
O plano parecia perfeito. No entanto, havia um grave erro de cálculo.
Quando Golbery pôs em prática seu plano de abertura política, a esquerda brasileira já tinha há algum tempo entrado em profundo processo de reformulação metodológica, cujo símbolo maior era a adoção da doutrina do italiano Antônio Gramsci.
A doutrina gramsciana supunha que a sociedade capitalista contava com espaços que comportariam a militância revolucionária de esquerda, sem que esta tivesse de bater de frente com o sistema capitalista.
Segundo Gramsci, o “Partido Príncipe” deveria paulatinamente criar as condições para sua ascensão final ao poder, crescendo dentro do sistema capitalista e democrático, até que, poderoso o suficiente, poderia dominá-lo completamente e transformá-lo em instrumento da revolução.
Como condição prévia para a tomada de poder, portanto, seria preciso ocupar espaços, conquistar “corações e mentes” e preparar o ambiente cultural para a revolução comunista.
Com a adoção do gramscismo, a esquerda revolucionária passou a ser sistêmica, frustrando as maquinações de Golbery.
Muitos militares, ainda hoje, não se deram conta do caráter sistêmico assumido pelos “subversivos” de outrora.
Vejam, por exemplo, a entrevista na Globo News do general Leônidas Pires Gonçalves[1] (aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=ZhPTwO6CXps).
Tudo o que o general fala é verdade: os militares impediram a “cubanização” do Brasil, o movimento de 1964 foi apoiado pela sociedade civil, a tortura foi extremamente aumentada pela militância (até por questões financeiras), teria havido um banho de sangue entre as próprias facções de esquerda que são autofágicas por natureza, caso tivessem tomado o poder etc.
No entanto, ao falar de Lula, o general manteve o antigo diagnóstico de Golbery, insistindo que o PT não representava perigo porque era um partido do sistema.
Por não entender o novo caráter sistêmico da revolução comunista, muitos militares votaram no PT em 2002, não entendem o porquê da “Comissão da Verdade” e estranham o apoio diplomático dado aos “bolivarianos” da América do Sul.
Golbery e os militares anticomunistas de outrora (e de hoje) perderam a batalha político-ideológica por uma razão simples: lutaram a guerra presente achando que esta seria combatida como foi a anterior. Ou seja, bastaria derrotar a guerrilha para derrotar os revolucionários.
Foi este erro crasso que possibilitou a ascensão do PT.
Nota:
[1] A entrevista citada foi exibida pelo canal a cabo Globo News, no dia 03 de abril de 2010. Leônidas Pires Gonçalves é general reformado, e na ativa, foi Chefe do do Estado Maior do 1.º Exército do Rio de Janeiro, comandou o DOI-CODI e foi Ministro do Exército do governo Sarney.
(Artigo publicado originalmente no jornal Brasil Econômico, edição n. 849, ano 5, do dia 16 de janeiro de 2013. Foi adaptado pelo autor para publicação no Mídia sem Máscara. A versão original está disponível aqui.)
05 de abril de 2013
Rodrigo Sias é economista.
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