"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 13 de maio de 2013

A AMEAÇA DO DESARRANJO FISCAL

 

Passados nove meses desde o anúncio do grande pacote que corresponde à terceira fase do programa federal de concessões rodoviárias, e após inúmeras reuniões com representantes do setor privado, o governo finalmente anunciou que adotaria a taxa interna de retorno (TIR) de 7,2% ao ano para os empreendimentos ainda não licitados.

Essa taxa serve, basicamente, para calcular a tarifa máxima que aceitará considerar nas propostas. Vencerá aquele que oferecer a menor tarifa abaixo desse limite superior. Antes, vinha batendo o pé na incompreensível marca de 5,5% ao ano, quando se deu conta de que o leilão da BR-040 (Juiz de Fora-Brasília), entre outros, fracassaria por falta de candidatos.

Agora o programa finalmente deslancha? Houve, sem dúvida, importante avanço no processo. Só que, segundo noticiado após a entrevista oficial, empresas da área esperavam algo entre 8 e 10% ao ano, como taxa mínima para cobrir o alto risco desse tipo de negócio.

Vê-se que o governo continua brincando com fogo nesse assunto e noutros correlatos. Conforme demonstrei com parceiros em livro lançado no Fórum Nacional Especial de setembro de 2012 (o PDF deste pode ser solicitado pelo e-mail: raul_velloso@uol.com.br), investir em infraestrutura é a principal saída para, literalmente, tirar o país do buraco.

E a única saída é recorrer às concessões privadas, já que o Estado tem espaço zero para gastar em infraestrutura. São décadas de investimento pífio e total descaso com a área, a ponto de o Brasil aparecer muito atrás na recente classificação de qualidade de meios de transporte, que vale a pena detalhar.

Segundo noticiado pelo “Financial Times” em 1º de abril, estudo do World Economic Forum classificou o Brasil, numa amostra de 144 países, em que quanto mais alto pior, como o 107º mais mal avaliado, para o conjunto dos modais de transporte.

Qualquer brasileiro que vai ao exterior fica envergonhado quando compara nossa precária infraestrutura com as dos demais e percebe um dos fatores básicos que explicam, junto com a elevadíssima carga tributária, a nossa ridícula posição no ranking mundial de competitividade.

Por modal, a classificação ficou assim: Brasil — rodovias: 123; ferrovias, 100; portos, 135; aeroportos, 134. Enquanto isso, para a China os números análogos seriam, respectivamente, 54, 22, 59 e 70. A média, lá, deu 69. Chocante a diferença...

Meus críticos dizem que o problema reside na escolha que a classe política fez no Brasil de concentrar os gastos públicos em previdência, pessoal e transferências, para resgatar a dívida social.

Muito se tem feito nessa área, sem dúvida, mas o único programa federal que realmente é imune a maiores críticas é o Bolsa Família, criado originalmente pelo senador Cristovam Buarque, de Brasília, e que ocupa apenas 2,6% do gasto total. Enquanto isso, o investimento, mesmo inchado pela equivocada inclusão dos subsídios ao Minha Casa Minha Vida, não chega a 6% do total.

Volto amanhã ao Fórum Nacional (edição de maio) para bater nessa tecla e mostrar por que é arriscado investir num país, como o nosso, que acabou de pular uma gigantesca fogueira ao praticamente equacionar o problema de insolvência pública, mas começa a trilhar o caminho de volta ao desarranjo fiscal e à perspectiva de taxas pífias de crescimento econômico.

Parece estar se inspirando nos deploráveis exemplos de Argentina e Venezuela, sem falar em outros de menor peso no continente.

Disponibilizarei o texto que escrevi com Paulo Freitas, Marcelo Caetano e José Oswaldo Rodrigues no mesmo endereço eletrônico acima, mas aproveito para chamar a atenção para o principal resultado do estudo.

Se não fizermos reformas urgentes, a manutenção das tendências atuais (regras legais, procedimentos etc.) na presença das projeções demográficas catastróficas que estão à nossa frente, os gastos federais com previdência, pessoal e assistência social, que hoje abocanham 75% do total, mais do que dobrarão em 2040, quando medidos em porcentagem do PIB.

Mesmo elaboradas com modelos rigorosos, projeções dependem obviamente das hipóteses. Tudo isso pode ser checado no trabalho. Além de mostrar os números em si, o texto lista propostas detalhadas de reformas nas três áreas, para equacionar o problema.

Aqui é fundamental lembrar que tudo leva tempo, e que as medidas precisam ser adotadas hoje para ter efeito muitos anos depois.

Nesses termos, é chocante observar a hesitação do governo em temas correlatos, como o das concessões de infraestrutura. Como, diante de quadro tão dramático, prender-se a picuinhas como a de exigir uma taxa de retorno que pareça implicar tarifas irrealisticamente baixas, só para colher os dividendos políticos a elas associados?

Outra evidência da necessidade imperiosa de mudar de atitude é o dramático engarrafamento de trânsito que se verifica hoje no país, especialmente em estradas e portos, que impede o escoamento da safra recorde de grãos, que não temos as menores condições de escoar.

De nada adianta transferir tantos recursos a pessoas no Orçamento público se não formos capazes de evitar que toneladas de milho e soja apodreçam ao ar livre nas áreas de produção.

13 de maio de 2013
Raul Velloso é economista.

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