"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 8 de maio de 2013

"DUPLA MILITÂNCIA"

 

SERIA O ANÚNCIO DE UMA NOVA PASTA DENTAL OU ELES ESTÃO FELIZES, APESAR DE TUDO?

A nomeação de Guilherme Afif Domingos para a Secretaria da Micro e Pequena Empresa cria uma situação ao mesmo tempo ambígua politicamente e juridicamente discutível.

Como a ambiguidade política é óbvia – filiado ao PSD, ele é vice em governo do PSDB e agora será auxiliar de administração comandada pelo PT –, vamos primeiro ao departamento jurídico.

Claro que Afif fez consultas a especialistas sobre o acúmulo do cargo de vice-governador de São Paulo e o de ministro com gabinete a mil quilômetros de distância, em Brasília. Teve tempo de sobra, já que a escolha estava acertada desde março.

Concluiu que não precisava tirar licença nem renunciar ao posto no Palácio dos Bandeirantes. Foi eleito, na prática não tem tarefa executiva e sua função se resume à expectativa de assumir na ausência do governador.

Sim, mas como fazer isso sendo ministro? Mais que uma dificuldade, um impedimento constitucional. Para contornar o obstáculo, Guilherme Afif e Geraldo Alckmin fizeram um acordo na tarde de segunda-feira, assim que seu vice recebeu telefonema da presidente Dilma Rousseff confirmando o convite.

O vice foi à sala do governador e acertou o seguinte: quando Alckmin precisar viajar ao exterior, ele avisará ao ministro, que dará um jeito de sair do País, e o presidente da Assembleia Legislativa, Samuel Moreira, assume o governo de São Paulo.

O “bem bolado” soluciona em parte o problema de ordem legal. A Constituição de São Paulo em seu artigo 45 diz que o governador e o vice não poderão se ausentar do Estado por mais de 15 dias sem pedir licença à Assembleia.

Note-se que a lei não fala em ausência do cargo, mas de afastamento geográfico. Depreende-se, portanto, que se Afif voltar a São Paulo toda semana, como fazem outros ministros em relação aos respectivos Estados, não haverá impedimento. Mas, se quiser ficar direto na capital, terá de pedir licença. Periodicamente renovável? A legislação não entra no detalhe.

Outro aspecto da questão: e se Alckmin por algum motivo precisar ficar fora do governo por, digamos, um mês; Afif passará 30 dias fora do País? Não se sabe.

Mas, para o caso de um afastamento mais prolongado já há uma solução discutida e decidida nas internas do PSD. Se por hipótese remota Alckmin concorrer a outro cargo que não à reeleição (presidente ou senador), terá de se afastar seis meses antes da eleição. Se ocorrer isso, Guilherme Afif deixa o ministério e assume o governo de São Paulo para completar o mandato.

Pragmático e, sobretudo, um retrato pronto e acabado da anarquia reinante na política brasileira. Repetindo: ministro em governo do PT, Afif é vice em governo do PSDB e filiado ao PSD.
Partido cujo presidente, Gilberto Kassab, é desafeto forte – para não dizer inimigo – de Geraldo Alckmin. A relação já não era boa desde que Alckmin resolveu enfrentar (e perdeu) Kassab na eleição municipal de 2008.

Dois anos depois o tucano se elegeu governador em aliança com o DEM. Quando Afif se transferiu para o PSD, foi demitido da Secretaria do Emprego, ficando reduzido à condição decorativa de vice.
Kassab entendeu o gesto como rompimento com certidão passada em cartório do céu e, desde então, a coisa desandou de vez.
O ex-prefeito terá o maior prazer em ajudar o PT a criar dificuldade para a reeleição de Alckmin e não nega a intenção, justificando que a iniciativa da ruptura foi do governador.

De onde a ida de Afif para a equipe do primeiro escalão do governo federal o põe na inusitada condição de servidor de dois senhores em situação de divergência explícita sem que isso incomode a nenhum deles.

08 de maio de 2013
DORA KRAMER

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