Há muito tempo as salas
de cinema vêm fechando suas portas no Brasil – e suponho que em boa parte do
mundo – para desespero dos exibidores. Entre nós, as causas são muitas, entre
elas a insegurança das ruas e os flanelinhas, que tornam desconfortável e mesmo
perigoso o que um dia foi lazer dos bons. Mas há um outro fator que os analistas
do fenômeno tendem a deixar de lado, os DVDs e as telas de 50, 60 ou mais
polegadas. Se posso assistir a um filme no conforto de minha casa, para que ir
ao cinema?
Desde há muito defendo a idéia de que é muito melhor assistir a uma ópera no conforto da própria casa que numa sala solene. É que a sala abriga duas, três ou quatro mil pessoas, e naturalmente a maior parte dos espectadores ficará longe da cena. Mesmo os que estão perto não ficam muito perto. O DVD me traz gestos, sorrisos, detalhes do rosto dos cantores, dos instrumentos, que passam despercebidos numa sala. Os personagens parecem estar cantando exclusivamente para mim. Mais ainda: findo o espetáculo, o encanto dissipou-se no ar. Resta só na memória. Com o DVD, posso repassar a qualquer hora – seja para mim, seja para amigos – os momentos que mais me cativaram.
Se quero rever a ópera, basta sentar de novo no sofá, sem ter de esperar pela próxima apresentação. Já vi mais encenações de Mozart do que o próprio teve chance de ver. Posso também acompanhá-la degustando um bom vinho. Vinho sempre combinou com ópera. Adoro brindar com Don Giovanni, na hora em que Leporello lhe serve um “eccellente Marsimino!” Há anos, um bom amigo, conhecedor de meus vícios, trouxe-me da Itália um vero Marsimino, para erguer a taça junto com Don Giovanni. Foi um dos mais sensíveis regalos que já recebi.
Last but not least, não preciso emperiquitar-me para curtir Mozart ou Bizet. É detalhe importante. Já perdi muita ópera por não dispor-me a levar na mala os trajes adequados. Neste sentido, viva New York. Pode-se ir ao Metropolitan de jeans e tênis sem chocar ninguém.
Sem ter nenhuma afinidade com futebol, tenho afirmado o mesmo sobre os jogos nos estádios. Ou arenas, como a imprensa passou a chamá-los, sem nos dizer por quê. Estádio é muito maior que sala de ópera, e a distância entre espectadores e protagonistas torna inviável a observação de detalhes. Até mesmo o juiz fica longe do jogador, a ponto de muitas vezes enganar-se na marcação de uma falta. Quem acaba comprovando a falta é a televisão. Isso sem falar na violência nos estádios, que já tem feito não poucas vítimas.
Ora, se você pode assistir a um jogo em casa, vendo até mesmo o esgar de dor de um atleta ao ser machucado, que sentido tem ir ao jogo? Você vê, melhor que o juiz, a bola ultrapassando a linha de gol, a falta sendo cometida. Isso você não vê da arquibancada. O espetáculo só serve mesmo aos fanáticos, que precisam sentir-se multidão para manifestarem seus instintos primitivos. De minha parte, se fosse torcedor, há muito teria abandonado os estádios.
A revista dominical São Paulo, da Folha de São Paulo, revela uma opção inteligente dos paulistanos. “Na arquibancada ou na poltrona? Preço de ingresso, violência e outros motivos levam mais paulistanos a ver futebol pela TV, diminuindo o público nos estádios e incrementando assinatura de jogos em canal fechado”. As razões são várias:
- Quando o jogo está lotado, você leva de 15 a 20 minutos para ir ao banheiro.
- O sofazinho é mais negócio, né? Pelo preço de dois ingressos, vejo todos os jogos pela TV.
- No ano passado, parei o carro na rua, paguei R$ 20,00 adiantado e, quando a bola rolou, o guardador estava a meu lado, torcendo junto.
Para mim, seriam motivos mais que suficientes para ficar em casa, isso sem falar nos cambistas, brigas entre policiais e torcida, badernas após os jogos. A tendência é significativa, particularmente nestes dias pré-Copa, em que o país está construindo, a preços exorbitantes, estádios que ficaram entregue aos ratos. Demagógico, o governo parece não ver um palmo adiante do nariz e insiste em construir ruínas para contemplação de turistas do futuro.
A telinha – ou melhor, a telona – ainda vai tornar obsoletas grandes arquiteturas. Por esta, os engenheiros não esperavam. Em meio a isso, sem nada a ver com tecnologia, recebo notícias alvissareiras da Holanda. “O mundo atual chega e as coisas antigas vão ficando para trás. É o que ocorreu com igrejas e templos na Holanda, que se transformaram em pubs, cafés, livrarias e até casas de shows”.
A idéia é simpática. Ver uma livraria ou bar – lugares onde se pensa – ocupando o espaço de templos – lugares onde se crê – é sempre um avanço. Simpática mas não muito nova. Há muitas décadas os grandes templos da Europa têm servido mais à contemplação dos turistas do que ao culto dos fiéis. Vá à Notre Dame, à basílica de São Marcos, à catedral de Milão, aos magníficos templos de Santiago de Compostela, Toledo ou Córdova. Não são fiéis que deambulam por suas naves. Mas turistas como este que vos escreve, embasbacados com o engenho e pompa que a Igreja usava para fazer os crentes sentirem-se diminutos ante Deus.
“Essa transformação ocorreu – continua a reportagem - porque as instituições religiosas não têm mais recursos para manter as construções e elas ficam cada vez mais vazias por lá. Afinal, a última pesquisa realizada no país indica que 44% da população são de ateus. Enquanto os católicos ocupam 28%; os protestantes, 19%; os muçulmanos, 5%, e os fiéis das demais religiões, 4% da população”.
A notícia é alvissareira, dizia. Quanto menos devotos de superstições tiver o mundo, mais leve será a caminhada do homem na História . Na França, muitas igrejas já foram transformadas em residências privadas. Uma biblioteca ou livraria sempre será um bom destino para um templo. Quanto a bar... bom, de minha parte os espaços me parecem exagerados. Bar há de ser íntimo, aconchegante. Não é o caso de uma catedral.
Seja como for, sempre será melhor um bar que um altar.
08 de maio de 2013
janer cristaldo
Desde há muito defendo a idéia de que é muito melhor assistir a uma ópera no conforto da própria casa que numa sala solene. É que a sala abriga duas, três ou quatro mil pessoas, e naturalmente a maior parte dos espectadores ficará longe da cena. Mesmo os que estão perto não ficam muito perto. O DVD me traz gestos, sorrisos, detalhes do rosto dos cantores, dos instrumentos, que passam despercebidos numa sala. Os personagens parecem estar cantando exclusivamente para mim. Mais ainda: findo o espetáculo, o encanto dissipou-se no ar. Resta só na memória. Com o DVD, posso repassar a qualquer hora – seja para mim, seja para amigos – os momentos que mais me cativaram.
Se quero rever a ópera, basta sentar de novo no sofá, sem ter de esperar pela próxima apresentação. Já vi mais encenações de Mozart do que o próprio teve chance de ver. Posso também acompanhá-la degustando um bom vinho. Vinho sempre combinou com ópera. Adoro brindar com Don Giovanni, na hora em que Leporello lhe serve um “eccellente Marsimino!” Há anos, um bom amigo, conhecedor de meus vícios, trouxe-me da Itália um vero Marsimino, para erguer a taça junto com Don Giovanni. Foi um dos mais sensíveis regalos que já recebi.
Last but not least, não preciso emperiquitar-me para curtir Mozart ou Bizet. É detalhe importante. Já perdi muita ópera por não dispor-me a levar na mala os trajes adequados. Neste sentido, viva New York. Pode-se ir ao Metropolitan de jeans e tênis sem chocar ninguém.
Sem ter nenhuma afinidade com futebol, tenho afirmado o mesmo sobre os jogos nos estádios. Ou arenas, como a imprensa passou a chamá-los, sem nos dizer por quê. Estádio é muito maior que sala de ópera, e a distância entre espectadores e protagonistas torna inviável a observação de detalhes. Até mesmo o juiz fica longe do jogador, a ponto de muitas vezes enganar-se na marcação de uma falta. Quem acaba comprovando a falta é a televisão. Isso sem falar na violência nos estádios, que já tem feito não poucas vítimas.
Ora, se você pode assistir a um jogo em casa, vendo até mesmo o esgar de dor de um atleta ao ser machucado, que sentido tem ir ao jogo? Você vê, melhor que o juiz, a bola ultrapassando a linha de gol, a falta sendo cometida. Isso você não vê da arquibancada. O espetáculo só serve mesmo aos fanáticos, que precisam sentir-se multidão para manifestarem seus instintos primitivos. De minha parte, se fosse torcedor, há muito teria abandonado os estádios.
A revista dominical São Paulo, da Folha de São Paulo, revela uma opção inteligente dos paulistanos. “Na arquibancada ou na poltrona? Preço de ingresso, violência e outros motivos levam mais paulistanos a ver futebol pela TV, diminuindo o público nos estádios e incrementando assinatura de jogos em canal fechado”. As razões são várias:
- Quando o jogo está lotado, você leva de 15 a 20 minutos para ir ao banheiro.
- O sofazinho é mais negócio, né? Pelo preço de dois ingressos, vejo todos os jogos pela TV.
- No ano passado, parei o carro na rua, paguei R$ 20,00 adiantado e, quando a bola rolou, o guardador estava a meu lado, torcendo junto.
Para mim, seriam motivos mais que suficientes para ficar em casa, isso sem falar nos cambistas, brigas entre policiais e torcida, badernas após os jogos. A tendência é significativa, particularmente nestes dias pré-Copa, em que o país está construindo, a preços exorbitantes, estádios que ficaram entregue aos ratos. Demagógico, o governo parece não ver um palmo adiante do nariz e insiste em construir ruínas para contemplação de turistas do futuro.
A telinha – ou melhor, a telona – ainda vai tornar obsoletas grandes arquiteturas. Por esta, os engenheiros não esperavam. Em meio a isso, sem nada a ver com tecnologia, recebo notícias alvissareiras da Holanda. “O mundo atual chega e as coisas antigas vão ficando para trás. É o que ocorreu com igrejas e templos na Holanda, que se transformaram em pubs, cafés, livrarias e até casas de shows”.
A idéia é simpática. Ver uma livraria ou bar – lugares onde se pensa – ocupando o espaço de templos – lugares onde se crê – é sempre um avanço. Simpática mas não muito nova. Há muitas décadas os grandes templos da Europa têm servido mais à contemplação dos turistas do que ao culto dos fiéis. Vá à Notre Dame, à basílica de São Marcos, à catedral de Milão, aos magníficos templos de Santiago de Compostela, Toledo ou Córdova. Não são fiéis que deambulam por suas naves. Mas turistas como este que vos escreve, embasbacados com o engenho e pompa que a Igreja usava para fazer os crentes sentirem-se diminutos ante Deus.
“Essa transformação ocorreu – continua a reportagem - porque as instituições religiosas não têm mais recursos para manter as construções e elas ficam cada vez mais vazias por lá. Afinal, a última pesquisa realizada no país indica que 44% da população são de ateus. Enquanto os católicos ocupam 28%; os protestantes, 19%; os muçulmanos, 5%, e os fiéis das demais religiões, 4% da população”.
A notícia é alvissareira, dizia. Quanto menos devotos de superstições tiver o mundo, mais leve será a caminhada do homem na História . Na França, muitas igrejas já foram transformadas em residências privadas. Uma biblioteca ou livraria sempre será um bom destino para um templo. Quanto a bar... bom, de minha parte os espaços me parecem exagerados. Bar há de ser íntimo, aconchegante. Não é o caso de uma catedral.
Seja como for, sempre será melhor um bar que um altar.
08 de maio de 2013
janer cristaldo
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