Há uma cena no novo filme de Michael Moore, Capitalism: a love story, em que o gorducho diretor e protagonista estaciona um carro-forte em frente a um desses grandes bancos que receberam ajuda financeira do governo durante a crise e avisa que veio exigir a devolução do dinheiro dos pagadores de impostos (contribuintes) americanos.
Esta é a imagem que as pessoas têm do capitalismo ao redor do mundo, um sistema que privilegia as grandes corporações em detrimento de todo resto. Moore não está muito errado no seu diagnóstico a respeito do capitalismo praticado atualmente na maioria dos lugares. Seu erro está provavelmente na solução: sua receita é dar mais poder e dinheiro aos governos, algo análogo a tentar curar um viciado com doses maciças de droga.
Existem duas maneiras de um empreendedor tornar-se bem sucedido nos negócios. Na primeira, ele deve produzir bens ou serviços que atendam aos interesses do consumidor, gerando resultados desejáveis para a sociedade. Na outra, utiliza-se de meios políticos para obter do governo variadas vantagens para o seu negócio.
Com muita frequência, os maiores oponentes do sistema capitalista de livre mercado não são os socialistas empedernidos, como Michael Moore, que pouca gente leva a sério depois da queda do Muro de Berlim.
Seus verdadeiros inimigos são líderes empresariais que, em público, não se cansam de enaltecer as virtudes da competitividade e do liberalismo, enquanto tentam, por baixo dos panos, extinguí-las em seus próprios benefícios, principalmente através do favorecimento contínuo da intervenção estatal na economia.
Eles sabem que os governos costumam ser muito mais eficientes na hora de atender aos reclamos de lobbies bem organizados e articulados do que propriamente para gerir os dinheiros públicos no interesse geral.
Numa notável ilustração do potencial de rentabilidade disso que se convencionou chamar de capitalismo de compadres, um estudo concluído recentemente nos Estados Unidos descobriu que a aprovação de uma única lei de renúncia fical provocou lucros da ordem de US$220 para cada US$1 “investido” em lobby pelas empresas interessadas – uma taxa de retorno de 22.000%.
O trabalho, realizado por três pesquisadores da Universidade de Kansas, revela em cores vivas por que o lobby (que nos EUA é uma atividade lícita) tornou-se uma indústria que movimenta US$3 bilhões por ano só na capital americana, tendo praticamente dobrado a sua movimentação do ano 2000 para cá.
Normalmente, é muito difícil medir os benefícios financeiros do “lobby” político, embora todos saibam que ele é imensamente lucrativo. Não por acaso, as grandes empresas têm apostado cada vez mais dinheiro nele. E assim será enquanto as nações continuarem colocando quantidades crescentes poder e recursos nas mãos dos governos, além de autorizar que interfiram cada vez mais na economia.
Num ambiente que incentive a troca de favores, mesmo aqueles empresários que talvez preferissem manter distância da política acabam sendo jogados na prostituição, ainda que em legítima defesa. Antes de 1998, Bill Gates não tinha um só lobista em Washington D.C, além de estar afastado das famigeradas doações partidárias.
Porém, teve que mudar de atitude quando o governo quase destruiu sua empresa, através de um processo bilionário de “concorrência predatória”.
Desde então, Gates mantém um verdadeiro exército de lobistas, consultores e advogados, além de ter-se tornado um dos mais generosos “doadores” políticos do país.
Sempre que os governos detiverem poder tanto para levar empresários à fortuna quanto à ruína, será quase impossível escapar do compadrio político. A exemplo da Microsoft, muitas empresas acabam concluindo que é necessário proteger-se, não só da sanha regulatória dos governos, mas também de seus concorrentes, frequentemente dispostos a utilizar os “bons serviços” políticos para enfraquecer os oponentes.
Tocar um negócio num sistema competitivo não é algo fácil e envolve imensos riscos. Obter benesses e contratos altamente lucrativos junto a políticos e burocratas é muito mais fácil e seguro.
Quanto maior e mais poderoso é o governo, especialmente quando o Estado se confunde com o próprio sistema econômico, mais os empresários sentem-se incentivados a buscar rendas através do desvio de dinheiro público e dos favores especiais (rent-seeking).
Portanto, ao contrário do que pensam Michael Moore e muitos outros, é preciso cortar o fornecimento da droga, não aumentar a dosagem.
08 de maio de 2013
João Luiz Mauad
* Publicado originalmente em 18/11/2009.
Esta é a imagem que as pessoas têm do capitalismo ao redor do mundo, um sistema que privilegia as grandes corporações em detrimento de todo resto. Moore não está muito errado no seu diagnóstico a respeito do capitalismo praticado atualmente na maioria dos lugares. Seu erro está provavelmente na solução: sua receita é dar mais poder e dinheiro aos governos, algo análogo a tentar curar um viciado com doses maciças de droga.
Existem duas maneiras de um empreendedor tornar-se bem sucedido nos negócios. Na primeira, ele deve produzir bens ou serviços que atendam aos interesses do consumidor, gerando resultados desejáveis para a sociedade. Na outra, utiliza-se de meios políticos para obter do governo variadas vantagens para o seu negócio.
Com muita frequência, os maiores oponentes do sistema capitalista de livre mercado não são os socialistas empedernidos, como Michael Moore, que pouca gente leva a sério depois da queda do Muro de Berlim.
Seus verdadeiros inimigos são líderes empresariais que, em público, não se cansam de enaltecer as virtudes da competitividade e do liberalismo, enquanto tentam, por baixo dos panos, extinguí-las em seus próprios benefícios, principalmente através do favorecimento contínuo da intervenção estatal na economia.
Eles sabem que os governos costumam ser muito mais eficientes na hora de atender aos reclamos de lobbies bem organizados e articulados do que propriamente para gerir os dinheiros públicos no interesse geral.
Numa notável ilustração do potencial de rentabilidade disso que se convencionou chamar de capitalismo de compadres, um estudo concluído recentemente nos Estados Unidos descobriu que a aprovação de uma única lei de renúncia fical provocou lucros da ordem de US$220 para cada US$1 “investido” em lobby pelas empresas interessadas – uma taxa de retorno de 22.000%.
O trabalho, realizado por três pesquisadores da Universidade de Kansas, revela em cores vivas por que o lobby (que nos EUA é uma atividade lícita) tornou-se uma indústria que movimenta US$3 bilhões por ano só na capital americana, tendo praticamente dobrado a sua movimentação do ano 2000 para cá.
Normalmente, é muito difícil medir os benefícios financeiros do “lobby” político, embora todos saibam que ele é imensamente lucrativo. Não por acaso, as grandes empresas têm apostado cada vez mais dinheiro nele. E assim será enquanto as nações continuarem colocando quantidades crescentes poder e recursos nas mãos dos governos, além de autorizar que interfiram cada vez mais na economia.
Num ambiente que incentive a troca de favores, mesmo aqueles empresários que talvez preferissem manter distância da política acabam sendo jogados na prostituição, ainda que em legítima defesa. Antes de 1998, Bill Gates não tinha um só lobista em Washington D.C, além de estar afastado das famigeradas doações partidárias.
Porém, teve que mudar de atitude quando o governo quase destruiu sua empresa, através de um processo bilionário de “concorrência predatória”.
Desde então, Gates mantém um verdadeiro exército de lobistas, consultores e advogados, além de ter-se tornado um dos mais generosos “doadores” políticos do país.
Sempre que os governos detiverem poder tanto para levar empresários à fortuna quanto à ruína, será quase impossível escapar do compadrio político. A exemplo da Microsoft, muitas empresas acabam concluindo que é necessário proteger-se, não só da sanha regulatória dos governos, mas também de seus concorrentes, frequentemente dispostos a utilizar os “bons serviços” políticos para enfraquecer os oponentes.
Tocar um negócio num sistema competitivo não é algo fácil e envolve imensos riscos. Obter benesses e contratos altamente lucrativos junto a políticos e burocratas é muito mais fácil e seguro.
Quanto maior e mais poderoso é o governo, especialmente quando o Estado se confunde com o próprio sistema econômico, mais os empresários sentem-se incentivados a buscar rendas através do desvio de dinheiro público e dos favores especiais (rent-seeking).
Portanto, ao contrário do que pensam Michael Moore e muitos outros, é preciso cortar o fornecimento da droga, não aumentar a dosagem.
08 de maio de 2013
João Luiz Mauad
* Publicado originalmente em 18/11/2009.
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