"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 8 de junho de 2013

"CHAVISMO LÁ, PETISMO CÁ"

Não faz muito tempo, o PT preconizava o "controle social da mídia". Mas a ideia de "controle" assusta um pouco e não tem lá grande apelo motivacional. Os marqueteiros entraram em ação e a palavra de ordem mudou então para "democratização da mídia". Afinal, "democratização" é o tipo ideal de ideia-ônibus: todo mundo embarca nela.
 
Só que, como é da natureza das proposições populistas - muito apelo e pouco conteúdo -, nunca ficou claro o que vinha a ser exatamente a "democratização" preconizada, de que modo ela se aplicaria ao cotidiano dos veículos de comunicação, no que ela mudaria de fato para melhor a vida dos brasileiros. Agora, finalmente, o grande enigma parece desvendado. Por analogia.
 
O finado general Hugo Chávez acaba de ser agraciado, na Venezuela, com o Prêmio Nacional de Jornalismo Simón Bolívar, pelos relevantes serviços prestados à causa da "democratização da mídia" em seu país. Como até as maçanetas do Instituto Lula sabem, Hugo Chávez é a segunda grande figura da política latino-americana a quem as lideranças petistas, Lula à frente, prestam fervorosa reverência. A primeira é Fidel Castro.
 
Não há bom petista que não inveje os poderes de que Chávez logrou se investir para implantar "democraticamente" o "socialismo bolivariano" na Venezuela.
 
A instituição que outorgou a láurea póstuma a Chávez é uma fundação vinculada à vice-presidência da República. Estatal, portanto. E a justificativa do prêmio chega a ser comovente: "Decidimos outorgar o prêmio extraordinário ao comandante Hugo Chávez porque ele devolveu a palavra aos oprimidos do mundo (sic) em seu papel de comunicador social, em sua constante batalha contra a mentira midiática".
 
O panorama do jornalismo que hoje existe na Venezuela ainda não chegou à perfeição daquele que vigora há mais de meio século em Cuba, pois ainda sobrevivem alguns veículos não estatais. Em 13 anos de governo, Chávez desenvolveu um meticuloso e eficiente trabalho de neutralização dos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão que ousavam manifestar discordância com as políticas oficiais.
 
Apelou para todos os tipos de recursos, desde os embargos de um Poder Judiciário completamente subjugado até os obstáculos econômicos e financeiros, passando pela intimidação e o empastelamento.
 
As emissoras de televisão, pela extensão de sua audiência, foram as mais perseguidas. As duas maiores redes, por insistirem no jornalismo não alinhado com a política chavista, acabaram subjugadas. Em 2007, a RCTV teve a renovação da concessão simplesmente negada, sob o argumento de que teria participado do golpe de Estado que apeou Chávez do poder por dois dias, em 2002.
 
Este ano, a Globovisión, depois de ter sido financeiramente exaurida pela imposição de pesadas multas, foi vendida para um grupo empresarial aliado do governo e está mudando radicalmente sua linha editorial.
 
Diante dessa realidade na qual praticamente já não se pode falar em liberdade de imprensa, o Sindicato Nacional de Jornalistas da Venezuela protestou contra a homenagem ao caudilho: "Repudiamos o prêmio dado ao falecido presidente Chávez, responsável pelo fechamento de grande número de veículos de comunicação durante seu governo: além da RCTV, 33 emissoras de rádio".
 
No Brasil, sob o pretexto da urgente necessidade de um novo marco regulatório das comunicações (o atual tem mais de meio século), o PT promove deliberadamente a confusão entre o verdadeiro objetivo desse marco, que é regular o funcionamento de uma concessão pública - as emissoras de rádio e TV -, com o controle da mídia impressa, cujo funcionamento não depende de concessão.
 
Para ambos os casos, aliás, prevalecem o fundamento constitucional da liberdade de expressão e o veto a qualquer tipo de censura à atividade jornalística, cujos eventuais abusos são tipificados e têm punição prevista na lei ordinária.
 
Mas o modelo dos sonhos do lulopetismo é aquele que a Venezuela e outros governos bolivarianos estão tentando copiar de Cuba.

08 de junho de 2013
Editorial do Estadão

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