Só que, como é da natureza das proposições populistas - muito apelo e pouco conteúdo -, nunca ficou claro o que vinha a ser exatamente a "democratização" preconizada, de que modo ela se aplicaria ao cotidiano dos veículos de comunicação, no que ela mudaria de fato para melhor a vida dos brasileiros. Agora, finalmente, o grande enigma parece desvendado. Por analogia.
O finado general Hugo Chávez acaba de ser agraciado, na Venezuela, com o Prêmio Nacional de Jornalismo Simón Bolívar, pelos relevantes serviços prestados à causa da "democratização da mídia" em seu país. Como até as maçanetas do Instituto Lula sabem, Hugo Chávez é a segunda grande figura da política latino-americana a quem as lideranças petistas, Lula à frente, prestam fervorosa reverência. A primeira é Fidel Castro.
Não há bom petista que não inveje os poderes de que Chávez logrou se investir para implantar "democraticamente" o "socialismo bolivariano" na Venezuela.
A instituição que outorgou a láurea póstuma a Chávez é uma fundação vinculada à vice-presidência da República. Estatal, portanto. E a justificativa do prêmio chega a ser comovente: "Decidimos outorgar o prêmio extraordinário ao comandante Hugo Chávez porque ele devolveu a palavra aos oprimidos do mundo (sic) em seu papel de comunicador social, em sua constante batalha contra a mentira midiática".
O panorama do jornalismo que hoje existe na Venezuela ainda não chegou à perfeição daquele que vigora há mais de meio século em Cuba, pois ainda sobrevivem alguns veículos não estatais. Em 13 anos de governo, Chávez desenvolveu um meticuloso e eficiente trabalho de neutralização dos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão que ousavam manifestar discordância com as políticas oficiais.
Apelou para todos os tipos de recursos, desde os embargos de um Poder Judiciário completamente subjugado até os obstáculos econômicos e financeiros, passando pela intimidação e o empastelamento.
As emissoras de televisão, pela extensão de sua audiência, foram as mais perseguidas. As duas maiores redes, por insistirem no jornalismo não alinhado com a política chavista, acabaram subjugadas. Em 2007, a RCTV teve a renovação da concessão simplesmente negada, sob o argumento de que teria participado do golpe de Estado que apeou Chávez do poder por dois dias, em 2002.
Este ano, a Globovisión, depois de ter sido financeiramente exaurida pela imposição de pesadas multas, foi vendida para um grupo empresarial aliado do governo e está mudando radicalmente sua linha editorial.
Diante dessa realidade na qual praticamente já não se pode falar em liberdade de imprensa, o Sindicato Nacional de Jornalistas da Venezuela protestou contra a homenagem ao caudilho: "Repudiamos o prêmio dado ao falecido presidente Chávez, responsável pelo fechamento de grande número de veículos de comunicação durante seu governo: além da RCTV, 33 emissoras de rádio".
No Brasil, sob o pretexto da urgente necessidade de um novo marco regulatório das comunicações (o atual tem mais de meio século), o PT promove deliberadamente a confusão entre o verdadeiro objetivo desse marco, que é regular o funcionamento de uma concessão pública - as emissoras de rádio e TV -, com o controle da mídia impressa, cujo funcionamento não depende de concessão.
Para ambos os casos, aliás, prevalecem o fundamento constitucional da liberdade de expressão e o veto a qualquer tipo de censura à atividade jornalística, cujos eventuais abusos são tipificados e têm punição prevista na lei ordinária.
Mas o modelo dos sonhos do lulopetismo é aquele que a Venezuela e outros governos bolivarianos estão tentando copiar de Cuba.
08 de junho de 2013
Editorial do Estadão
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