"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 30 de junho de 2013

"SÓ SEI QUE NADA SABIA"

 
Opinião do eleitor vira do avesso e, na falta de política maior, procura alternativa ainda incógnita
 
FAZ MENOS de três semanas, 6 de cada 10 brasileiros diziam que o governo de Dilma Rousseff era bom ou ótimo. Uns 60% do país, mostrava o Datafolha. Mas o rio de protestos que passou na vida da presidente reduziu a simpatia pela metade: o governo é ótimo/bom para apenas 30% dos brasileiros, quase tantos quantos o consideram ruim/péssimo (25%).
 
Dilma era lembrada espontaneamente como candidata preferida a presidente para 35%; agora, por menos da metade disso. A maioria quer nome novo ou não sabe o que quer.
 
"Ninguém está entendendo nada" tornou-se um clichê desta temporada de revolta. Trata-se de antes de mais nada de presunção travestida de modéstia e maravilha diante das razões ocultas ou ignoradas do povo, por assim dizer. Pressupõe que antes a gente estivesse "entendendo tudo", ou alguma coisa, ou que pelo menos ligasse a mínima para a política ou problemas sociais.
 
Mais importante que a pose de despretensão, porém, é a possibilidade de que, de fato e literalmente, ninguém estivesse entendendo nada, nem a si mesmo. A julgar por pesquisas de opinião, muitos brasileiros talvez tenham descoberto algo faz duas ou três semanas ou deixaram de fingir a dor que deveras sentiam.
 
Mesmo agora parece existir uma espécie de disjunção analítica na população, vamos dizer assim. Em pesquisas feitas pelo Ibope na semana retrasada durante protestos em oito grandes cidades, 71% dos manifestantes se diziam satisfeitos ou muito satisfeitos com a sua vida. Metade, pelo menos, estava otimista com o futuro do país ou o seu próprio, de acordo com várias pesquisas.
 
Sim, o prestígio de Dilma vinha caindo, desbastado principalmente pela alta do custo da comida. Sim, as pesquisas não contavam com perguntas sobre a satisfação com a política ou com detalhes enormes da vida cotidiana. Mas, talvez, caso tivessem se dedicado a investigar tais coisas, pode bem ser que não tivessem descoberto nada. Por quê?
 
Talvez porque os brasileiros, na maioria ou na média, talvez ainda não tivessem pensado nisso. Talvez porque tenham sido provocados a pensar no assunto quando viram uma manifestação simpática (ônibus barato), conduzida por jovens, ser espancada pela tropa do Estado ("coisa do governo"). Talvez porque muitos brasileiros (em especial os menos pobres) dissociem melhorias da vida que aparecem via mercado (ou algo assim, emprego) da vida ruim que relacionam a "coisas da política" (serviços públicos ruins, "político ladrão" etc). Note-se que os mais pobres e com menos anos de escola ainda são os mais simpáticos ao governo Dilma.
 
Por ora, o povo continua a demonstrar sua ira com as coisas da política. Mas ainda não há política nisso. O protesto segue perigosamente despolitizado.
 
 
"SÓ QUE NÃO"
 
"Claro que eu vou me destruir. Sozinho é ridículo, a gente não pode fazer nada. Meu negócio era o poder. Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba. Pra mim, a revolução era o terror, mas não é mais. A terceira guerra começou, e ninguém tá dando bola!"
 
Jorge, "O Bandido da Luz Vermelha", filme de Rogério Sganzerla, de 1968.
 
30 de junho de 2013
Vinícius Torres Freire, Folha de São Paulo

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