"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 17 de agosto de 2013

QUEM SOU EU PARA JULGAR?


 
A frase do Papa Francisco transpõe, a meu ver, a situação concreta à face da qual foi pronunciada. O Papa não pode, nem qualquer pessoa pode etiquetar pessoas, lançar anátemas, estabelecer abismos entre bons e maus, proscrever, humilhar. Quem pode julgar senão Deus?

Sob o clima de Fé que a visita do Papa Francisco suscitou, parece-me oportuno refletir a respeito de três grupos humanos a respeito dos quais paira um sentimento muito comum de condenação e opróbrio: presidiários, prostitutas, menores de rua.
Comecemos pelos presos.

As sociedades humanas, para sobreviver, estabelecem leis e algumas pessoas recebem a missão de julgar. Mas é um julgamento circunstancial, falível, que nunca deve ser alimentado pelo ódio, orgulho ou vaidade mas, pelo contrário, deve ser um julgamento humilde, pleno de esperança e amor.

No Brasil, há definição de direitos do preso, mas os direitos não são respeitados. Em favor do preso que não foi julgado, por exemplo, existe a presunção de inocência. Essa presunção só vigora em favor de cidadãos poderosos, eventualmente aprisionados, fato bem raro.

Tentemos agora pousar nas prostitutas um olhar cristão. Há legislações que consideram a prostituição um crime, o que não é o caso do Brasil. Entretanto, embora transitando na faixa da legalidade, as prostitutas são assiduamente presas, sem fundamento legítimo. Maltratadas e ofendidas física e moralmente, vivem em condições econômicas quase sempre subumanas, isoladas do restante da população, como um grupo excluído. Não têm acesso a cuidados médicos, previdência social, amparo da lei. São consideradas não-pessoas.

Embora o mundo tenha sofrido grandes transformações, a figura da prostituta perdura, na paisagem humana, como negação de Humanismo e Justiça. Na maioria dos casos, como pesquisas sócio-jurídicas revelam, ganhar o pão através da entrega do corpo não é uma escolha. É uma imposição de circunstâncias econômicas e sociais. Por motivos religiosos ou humanitários, organizações da sociedade civil encampam as lutas das próprias prostitutas. Os voluntários desta missão refletem, no íntimo da alma, como o Papa Francisco: quem somos nós para julgá-las?

Finalmente falemos desse grupo que o preconceito etiquetou com a designação de menores de rua. Crianças e adolescentes são culpados de estarem na rua ou culpados somos todos nós, por omissão? Uma sociedade, na qual existam menores de rua, não pode profanar o nome de Jesus Cristo definindo-se como sociedade cristã. Este problema depende de uma mobilização coletiva.

Vamos arregaçar as mangas fazendo o que nos cabe como integrantes da sociedade civil. Vamos pressionar os governos (municipal, estadual, federal) e exigir as ações que aos três poderes competem.
 
17 de agosto de 2013
João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário