O naufrágio político do governador Sérgio Cabral é um desses enigmas transparentes da política brasileira.
Como alguém que, há três anos, foi reeleito no primeiro turno, com o maior percentual de votos dado a um governador naquela eleição – 66,06% - pode desabar dessa maneira?Em questão de semanas, saiu do paraíso da popularidade para o inferno da rejeição pública, sem escalas. Sitiado em sua própria casa, não desfruta sequer da solidariedade dos vizinhos.
Não pode sair de casa e seu direito constitucional de ir e vir está suspenso. Os grupos de manifestantes organizados, postados dia e noite em frente a seu edifício no Leblon, querem o seu impeachment – nada menos. Um impeachment imposto pela “voz das ruas”, figura inédita no Direito brasileiro.
Voltemos ao enigma: que aconteceu de diferente entre o primeiro mandato, que gerou o triunfo espetacular da reeleição, e o segundo? A rigor, nada. O Cabral anterior era o mesmo de agora: fazia, dizia e apoiava as mesmas coisas, cercava-se das mesmas pessoas, dos mesmos auxiliares.
Era apoiado por Lula – e consequentemente pelo PT, o que explica os números triunfais de sua reeleição, num estado que sempre tratou o ex-presidente com pompa e circunstância.
Foi alçado à categoria de estadista quando da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em algumas favelas cariocas (ainda que sem prender nenhum bandido).
Seu fraco por mordomias, que não começou agora, não gerou antes as reações indignadas em curso. Ao contrário, ninguém lembrou delas durante a campanha eleitoral.
Por que então o drástico e traumático rompimento com a opinião pública?
A chave evidentemente está no processo sucessório.
O PT quer o cargo e o PMDB de Cabral não quer entregá-lo. Há um acordo, selado com Lula e Dilma, de que o partido continuaria a ter apoio do PT para a sucessão de Cabral, que apoia seu vice, Pezão.
Com a popularidade anterior, Cabral não apenas elegeria Pezão, como voltaria sem dificuldades ao Senado. Hoje, nem sai de casa - e, quando sai, não sabe se volta. Pezão já deve estar procurando outro emprego.
O cenário dá a medida da facilidade com que se constroem e destroem reputações, nestes tempos de facebook e twitter, que o PT aprendeu a manejar com maestria, aparelhando blogues e sites, internet afora, com o apoio de numerosas ONGs, sustentadas por verbas públicas, como a notória Fora do Eixo.
O simples fato de ser possível concentrar diuturnamente dezenas e dezenas de pessoas na frente de um prédio – com celulares de última geração e roupas de grife – mostra que não se trata exatamente de povo os que lhe fazem campana.
São militantes. Com estratégia e método, acionam quando julgam necessário milícias ninjas para agravar a intimidação. Não faço a defesa de Cabral, até porque não voto no Rio e esse não é um texto ad hominem.
Estranho, no entanto, quando vejo ex-entusiastas seus – e que o eram até poucos meses atrás – pedindo o seu impeachment e sitiando-o em casa, sem que nesse período nada de diferente tenha ele praticado.
O mesmo se dá em relação ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, cujo prestígio foi atestado no início de junho, em pesquisa do Datafolha. Segundo ela, Alckmin seria reeleito governador de São Paulo e bateria o próprio Lula por larga margem: 42% a 26%. Em confronto com outros nomes do petismo, se reelegeria no primeiro turno, oscilando de 50% a 52%.
Por (digamos assim) coincidência, na mesma semana começaram em São Paulo os atos do Movimento Passe Livre, que desembocaram em sucessivas manifestações, que se estenderam por todo o país – e se mantêm até hoje, naquela capital, focadas, confessadamente, na figura do governador, em pleno processo de desconstrução. Também ali se quer o impeachment no grito.
Não há dúvidas de que, em ambos os estados, não faltam razões para que o contribuinte proteste. Mas os problemas não começaram em junho. Os dois governadores e suas respectivas administrações não eram diferentes antes do que são agora.
O que é evidente é que as justas e difusas indignações da população brasileira com a classe política estão sendo manipuladas, fulanizadas e direcionadas contra os adversários do PT – ele, de resto, há uma década no poder, responsável maior pelo desconcerto geral que deu recheio às manifestações.
17 de agosto de 2013
Ruy Fabiano é jornalista.
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