O vocativo usual nos discursos de Getúlio Vargas, “Trabalhadores do Brasil!”, representava uma fórmula positiva de contato político, por tornar emblemático um atributo que expressava a corresponsabilidade do povo com o desenvolvimento do País. Fazia o ditador uma cooptação da sociedade, a fim de manter com ela um ‘diálogo produtivo’, pois, em contrapartida, o povo reconhecia-se um ‘interlocutor’, mesmo que só se restringisse à síntese de suas emoções:”Pai dos Pobres!”, “O Bom Velhinho!” O vocativo getulista incorporava todas as categorias, sem a exclusão discriminatória desta ou daquela profissão, deste ou daquele ofício.
Opostamente, João Goulart, nos seus pronunciamentos, dividia o povo em subclasses de trabalhadores, somente reconhecendo como tais, os sindicalistas, os operários, os metalúrgicos e, da parte hierárquica das Forças Armadas, soldados, sargentos e marinheiros. Era norma, nos seus discursos, exortar esses setores, não para acentuar-lhes a sua importância no desenvolvimento da Nação, mas para desestruturá-la, principalmente por meio da indisciplina na caserna, visando à anarquia e, por conseguinte, à instituição de um regime de força. Pretendia arrebanhar para as suas hostes o proletariado e os militares que considerava suscetíveis de qualquer ato indisciplinar.
Para Jango, essas eram as classes populares. Quanto aos demais trabalhadores contribuintes e empresários que sustentavam economicamente o seu governo, não preenchiam os inflamados discursos, a não ser como alvo de sua ira, insuflado pelo arruaceiro cunhado Brizola. Para ele, agricultores não eram trabalhadores, mas as ligas camponesas, sim.
Eis que se encontra na END um rastro do discurso janguista, discriminador, dissimulado e, como tantos outros trechos, malredigidos (assim mesmo). Numa das passagens referentes a O serviço militar obrigatório; nivelamento republicano e mobilização nacional, diz: “É importante para a defesa nacional que o oficialato seja representado de todos os setores da sociedade brasileira. É bom que os filhos de trabalhadores ingressem nas academias militares. Entretanto, a ampla representação de todas as classes sociais nas academias militares é imperativo de segurança nacional”.
O que mais realça no trecho citado é o “nivelamento republicano”, característica
das esquerdas brasileiras de manter fidelidade a pensamentos próprios dos
antiquários ideológicos, quando insinua (“É bom, etc..”) que não são filhos de
trabalhadores os jovens cadetes em preparo ao oficialato, em outros tempos, e
atualmente. Isso já ocorre, senhores redatores, o fato é que desconhecem a origem
de considerável parcela de cadetes, provindos de todos os estados do Brasil, mas que
lhes fazem pensar, pelos conhecimentos adquiridos nas Academias Militares, pela
educação recebida, característica da caserna, serem oriundos da “elite”, da
“burguesia”, permanentes chavões da insidiosa esquerda, de cuja agremiação sinistra,
muitos, sim, são oriundos das camadas mais bafejadas da sociedade.
O que desejavam imprimir neste falacioso documento, mas evitaram pô-lo às
claras, é o ingresso facilitado de filhos de sindicalistas, de sem-terra, de seminstrução,
sem a devida observância de concurso e de outros pré-requisitos
indispensáveis à manutenção da hierarquia e da competência do comando. Hierarquia
e disciplina são palavras ofensivas aos revolucionários, infelizmente, de posse do
governo, de posse do MD. São ávidos pelo “nivelamento republicano”, por baixo.
Pôs-se em negrito, a conjunção adversativa, cuja função, na estrutura da língua,
é a de introduzir um pensamento que se opõe ao anterior. Desta maneira,
“Entretanto” desmonta todo o palavrório do período antecedente, por ignorarem um
dado gramatical elementar de que um pois ou um porque, antecedido de vírgula,
resolveria a questão da lógica semântica. Mesmo assim, permaneceria a acusação de
que, com o presente esquema de ingresso nas Academias, não está sendo
“imperativo” a segurança nacional, quando, na realidade, esta segurança está sendo
postergada pelo governo, único responsável pela impatriótica inércia.
Em continuação ao item citado, e que se refere à “Segurança Nacional”, diz o
texto: “Duas condições são indispensáveis para que se alcance esse objetivo
[Segurança Nacional]. A primeira é que a carreira militar seja remunerada com
vencimentos competitivos com outras valorizadas carreiras do Estado”, o que torna
premente o pagamento dessa maravilhosa remuneração, a fim de que ponham em
prática, de imediato, a segurança deste território, já que ”vencimentos competitivos”
e “segurança”, segundo faz parecer, no documento, são, respectivamente, causa e
consequência. Talvez, habituados que estão os componentes deste governo de
trabalharem (?) à custa de generosos contracheques, considerem os militares à sua
semelhança. Felizmente, ainda se pode dizer que não chegaram a tal deformidade
moral.
Pela manutenção dos irrisórios vencimentos dos militares, o que se evidencia, em contraponto a esta veemente afirmação de bons estipêndios, é que tudo ali, naquele ministério, é uma grande mentira, inclusive, a defesa do país. Ou, pode-se entender, por outro lado, que tais vencimentos robustos só sejam pagos quando as Academias Militares forem apenas compostas de sindicalistas, operários, etc., sem concurso ou por cotas, para a segurança do próprio governo petista. Aliás, em várias partes da END essa relação entre “remuneração” e “classe trabalhadora” é enfatizada, na formação das Forças, como neste trecho: “Essa é uma das razões [provir da classe trabalhadora] pelas quais a valorização da carreira, inclusive em termos remuneratórios, representa exigência de segurança nacional.”
Continua o documento mais hipócrita da “história deste país”: “A segunda condição é que a Nação abrace a causa da defesa e nela identifique requisito para o engrandecimento do povo brasileiro”, assertiva que alterou a disposição dos termos, devendo, ao contrário, ser a “Nação” o foco de engrandecimento pela ação de o povo abraçar a ideia de defesa: [“A segunda condição é que o povo brasileiro abrace a causa da defesa e nela identifique requisito para o engrandecimento da Nação.”]
O hábito de encher as bochechas com a palavra “povo” e o desábito de falar em “Nação” levaram os malabaristas da pobre retórica marxista a inverter, no papel, o valor político dos termos, como é de praxe a inversão de valores na escolha de ministros, assessores, nesta doente república.
Até o presente momento não se fez divulgar publicidade institucional do MD nos meios de comunicação, para que o povo “abrace a causa da defesa”, conscientizando-se da necessidade de o Brasil proteger-se. Essa lerdeza de ação governamental resulta da paralítica ideia de que “somos pacíficos”, outra repetição enfadonha, aqui e ali, preenchendo o vazio da escritura mal-alinhavada da END.
Essa ‘conversa’ com a sociedade, também ocorrerá (usa-se, aqui, o tempo verbal preferencial dos redatores), quando os logísticos, os mobilizadores, os estrategistas, enfim, os teóricos do ministério entravado, acordarem do sono irresponsável, próprio dos sem-planejamento. Aí, SERÁ tarde demais!
Aileda de Mattos Oliveira é Prof.ª Dr.ª em Língua Portuguesa. Articulista do Jornal Inconfidência. Membro da Academia Brasileira de Defesa.
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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