"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 8 de abril de 2012

CONSERVADORISMO OU LEI DA SELVA

       
          Artigos - Conservadorismo         Uma das brigas mais antigas na Filosofia é entre Parmênides e Heráclito. Aquele dizia que nada muda; este dizia que só há mudança. Ambos estão certos, e ambos estão errados.
Nos tempos de hoje, em que vivemos a transição de um modelo de civilização decorrente do pensamento iluminista, por sua vez uma versão antropocêntrica do pensamento medieval, para algo que ainda não se tem como saber o que será, este debate volta a ter importância.
O que é mutável? Muitos parecem crer que tudo o seja. A família, a ética, o certo e o errado ganham o peso de uma folha seca levada pelos ventos. E o que é imutável? Para uns, nada. Para outros, quase tudo, incluindo coisas que surgiram há pouquíssimo tempo.
A sociedade, contudo, é algo que se constrói de novo a cada geração. Cada criança que nasce precisa ter acesso àquilo que foi construído pelas gerações anteriores, precisa aprender de novo tudo o que foi descoberto, ou aquilo se perde. O médico inglês Theodore Darlrymple descobriu, horrorizado, que toda uma geração de ingleses das classes mais baixas nunca comeu em família. São frequentes os casos de escorbuto, causados por uma alimentação à base de batata-palha e cerveja.
Em uma geração foi possível desaprender a se alimentar. É muito mais fácil desaprender a música (quem toca um instrumento por partitura, hoje em dia?), desaprender a escrita, ou ao menos a sua norma culta, desaprender o convívio social mais elementar. Duas gerações de brasileiros sem chapéu já fizeram com que esquecêssemos que ele deva ser tirado à mesa, enquanto ela existe.
A conservação da sociedade passa pela conservação dos seus hábitos e saberes, pela percepção de que eles precisam ser retransmitidos e reensinados a cada nova geração.
Os entusiasmos sociais são passageiros: os mesmos que no Domingo de Ramos saudavam a entrada triunfal do Cristo em Jerusalém votaram, democraticamente, para que Barrabás fosse solto na Sexta-Feira da Paixão.
Os valores expressos nos hábitos provados pelo tempo, contudo, trazem em si algo que permanece, algo que merece ser conservado e retransmitido de geração em geração. Basta que uma não o faça para que algo seja perdido, para que seja dado mais um passo no rumo da entropia, da dissolução dos laços sociais.
É esta ordem conservada pelas gerações que garante aos mais fracos a sobrevivência na sociedade; quando ela é desprezada em prol de entusiasmos passageiros, prepara-se o sacrifício dos mais fracos. A única alternativa real ao conservadorismo é a lei da selva.

08 de abril de 2012

Publicado na Gazeta do Povo.
Carlos Ramalhete é professor.

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