Mas, antes de ir para casa, tinha um importante
telefonema a dar. Fomos até a cabine telefônica. Ligou e disse apenas :
- “Mamma, sono arrivato” (“Mamãe,
cheguei”).
E deu dois beijinhos no fone. Tinha mulher, filhos, uma
neta. A mãe não morava com ele, morava
com o pai. Mas era a ela que ele avisava da chegada. A mamma na Itália é o
centro. Todo o resto, pai, mulher, marido, filhos, é periferia. A Bíblia lá
começa assim: -“No principio, era a mamma”.
A “MAMMA”
Todos pensamos que a Italia é o pais do Papa. É, mas não
só. É o pais do Papa e da “mamma”. A Italia é uma sociedade matriarcal. Lá quem
manda é ela. Na cozinha, na casa, na escola e no caixa. A pequena e a media
empresa familiar, centro da economia italiana, são comandadas pela “mamma”.
Na pizzaria, taverna, tratoria, restaurante, loja,
pensão, “albergo”, hotel, de uma, duas, tres estrelas, quem está no caixa, de
olho no dinheiro, é ela, a “mamma”, fogão e cofre da Itália. As más linguas
falam que a conta do táxi, do bar, restaurante, hotel, loja, dá sempre errada, e
sempre para mais, porque a “mamma” faz ou manda fazer.Diz-se que é dela a mais
genial criação da conta errada : põe em cima o dia, o mês e o ano. E soma
embaixo com as despesas.
Mas tambem é verdade que a Itália tem a mais alta taxa de
poupança individual da Europa, acima da Inglaterra, Alemanha, França, porque a
“mamma” é dura no controle da poupança domestica. Ela rouba mas poupa.
MACARRÃO E PIZZA
E foi ela, a “mamma”, quem inventou, antes de Jesus,
Maria e José, essa obra-prima da mesa universal, a macarronada. Mas também criou
esta humilhação do pâo com manteiga, a pizza, um papelão coberto de
molho.
Em casa, a “mamma” é rainha e rei. Meus amigos italianos
sempre me dão a impressão de não terem pai. Só mãe, a “mamma”. Não falam dele,
não apresentam. Em casa, o pai é um a mais, como um fillho mais velho.
O coração e a cabeça do italiano são da “mamma”. Lá não é
feminismo. É o imperialismo feminista: o “mammismo”. E todos adoram. A cara
gorda e terna, o corpo redondo e forte, 24 horas a serviço coletivo, doçura e dureza, de colher na mão e conta
aumentada, a “mamma” é a Itália.
ITALIA
Toda generalização é burra. Nelson Rodrigues. É
impossível dizer qual o pais mais bonito. Cidade, o mundo já elegeu e sou um
democrata : é Paris. Mas, país, tirando uma media universal, nenhum junta mais
belezas do que a Itália. A começar porque tem 54% do patrimônio cultural da
humanidade.
E no entanto a França recebeu, no ano passado, mais de 75
milhões de visitantes. Os Estados Unidos, quase 70 milhões. A Espanha, quase 60
milhões. E a Italia não chegou a 40 milhões. Não dá para entender. Os
profissionais do turismo quebram a cabeça mas não conseguem
explicar.
Estados Unidos e França são mais ricos, têm mais
comercio. Mas têm menos sol e menos historia.
A Espanha, menos dinheiro, menos beleza cultural, menos historia, sol e
mar iguais e o turismo espanhol ganha longe da Itália. Sem falar na cozinha, que
a Itália tem a mais farta do mundo e o vinho, o segundo melhor (só depois da
França). E ambos melhores do que a Espanha.
ESPANHA
A diferença não deve estar no toureiro espanhol. É no
espanhol mesmo. E no italiano mesmo, que, apesar de simpático, alegre, aberto, é
anárquico, é anti-turistico. Não cuida e não mostra a Italia. Não sabe, como o
francês, faturar o turismo. Na Itália, o que o turista consegue ver é apesar do
italiano.
Quem tem tanta
eternidade na janela da casa e na porta da rua, talvez tenha seus ciúmes e não
goste de dividir suas belezas. Mas isso é profundamente anti-turistico. A França
(Governo, imprensa, empresários) fez uma campanha tão cerrada que conseguiu
educar seu taxista e faze-lo gentil.
E o espanhol é um baiano falando espanhol.
TEM
QUE
Desde 57 ando por lá. Vivi dois anos em Roma. Tudo “tem
que”. Será a lei da “mamma”? Nada mais contra o turismo do que o “tem que”.
Turismo é vadiagem. O turista é um vadio. O horário, o “tem que” do horário, é
antiturismo. O turista na Italia “tem que” acordar cedo, porque a arrumadeira
“tem que” arrumar o quarto do hotel de manhã. O turista “tem que” tomar café
cedo (antes das 10) porque o garçon “tem que” preparar logo as mesas para o
almoço. Você “tem que” chegar ao restaurante até duas da tarde e almoçar aflito
porque o dono, o maitre, os garçons, o cozinheiro, todos têm que sair exatamente
às tres da tarde. Para que? Para tirar um sono com a “mamma”.
São “insestuosos”. Fazem a “sesta” na casa da “mamma”. Só
vão para a casa deles de noite. E os museus? É mais fácil acertar dois tiros no
Papa do que visitar os museus do Vaticano. Abrem às 9 e fecham às 15. Filas
infinitas. Tudo lá está sempre “chiuso” (fechado). Ainda bem que tres coisas
eles não “chiusam”: o Papa, a mamma e a beleza eterna de Roma, Florença,
Veneza.
08 de abril de 2012
sebastião nery
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