ESCRAVOS DO AR
Em 78, no governo Geisel, o ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, os jornalistas Silvestre Gorgulho e Paulo Cotta, assessores e técnicos, decolaram em Maceió, no avião do ministro, para uma exposição pecuária em Batalha. Atrás, em pequeno monomotor, os senadores Arnon de Mello e Luis Cavalcanti, o “Major”, general da reserva, e Luis Fernando Pinto.
Daí a pouco, o monomotor se perde inteiramente. Fica um tempão rodando entre nuvens carregadas, sem rumo nenhum, a gasolina acabando, o pânico chegando. O senador Arnon, tenso, calado. Luis Fernando, apavorado. O senador Luis Cavalcanti, o “Major”, reclamando, suando. O piloto, desesperado, aponta uma velha pasta 007, estragada, suja, embaixo das cadeiras:
Senador Cavalcanti, pegue aí dentro, por favor, minha carta de vôo.
- Aqui não há carta de vôo. Aqui só há o “Guia 4 Rodas”.
- Pois é ele mesmo. Ele é minha Carta de Vôo.
- Você é um irresponsável. Vou cassar sua carteira de piloto. Onde já se viu usar um guia rodoviário como carta de vôo?
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COMO UM BODE
Mais um pouco, pelo “Guia 4 Rodas”, o piloto descobriu a estrada para Batalha. Foi por cima dela algum tempo, animou-se:
- Senador, fique tranqüilo. Agora já achei o raio da rota. Vou virar aqui pela direita e daqui a pouco estamos lá. É mais fácil.
- Nada disso, seu irresponsável. Você agora vai ter que ir pela estrada, fazendo as curvas, passando por cima dos viadutos, devagarinho e certo. Tem que ir como um bode. Ouviu? Como um bode!
Chegaram a Batalha. Como os bodes.
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AVIAÇÃO
Deus seja louvado, a aviação brasileira não voa pelo “Guia 4 Rodas” nem como os bodes. É uma das mais modernas e seguras do mundo. Aviões de último tipo. Quando o País sofre um Apagão Aéreo, a culpa não está nos aviões, mas nos governos, nos dirigentes, nos homens.
O Brasil segue o velho crime de as coisas serem feitas não para serem feitas, mas para alguém ou alguns ganharem dinheiro ao serem elas feitas. Temos tecnologia aeronáutica maravilhosa, aviões e aeroportos maravilhosos, até um Aerolula, mas aeronautas e aeroviários, pilotos, comissários e controladores de vôos às vezes submetidos a um sistema de trabalho escravista. Não é de agora e não é por falta de denúncias e duras lutas.
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AERONAUTAS
No dia 28 de dezembro de 1979, escrevi na Tribuna uma coluna – “Os Escravos do Ar” – denunciando “uma profissão de cão: a consciência do risco, a intimidade com o perigo, a tensão da responsabilidade, que fazem os cabelos dos aviadores embranquecerem mais rápido e a elegância das esgalgas aeromoças ruir mais cedo, subindo e descendo todo dia, toda hora”.
“Trancados em cabines pressurizadas, respirando um ar artificial, vivendo e convivendo com a paciência, para enfrentar a natural neurose antiaérea dos passageiros, aqueles magotes de homens vestidos de azul marinho e lindas meninas de lenço no pescoço, entrando nos hotéis tarde da noite, saindo às cinco da manhã, dando plantão nos aeroportos, numa permanente e terrível disponibilidade, parecem príncipes e princesas, e tantas vezes são escravos”.
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CONTROLADORES
Naquela época, eles começavam uma luta comandada pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas e pelas Associações de Pilotos. Eram os únicos brasileiros que trabalhavam legalmente mais de 8 horas por dia: 11 horas, 8 voando e 3 à disposição das empresas, nos aeroportos, nos hotéis, em casa.
Mais escravos ainda eram os controladores de vôo: amarrados aos monitores, os olhos esbugalhados, a vida dos outros nas mãos e ganhando salários ridículos, inacreditáveis. No dia seguinte, denunciei também a escravidão deles. Está aqui: – “Os Anjos do Céu”, 33 anos atrás. No centro da escravidão, um erro básico: o DAC (Departamento da Aeronáutica Civil) era subordinado ao Ministério da Aeronáutica.
No mundo inteiro, a aviação é subordiana a ministérios civis. Militarizados, não podiam fazer greve. Escrevi o terceiro artigo: – “O Pássaro Civil – O Avião é um Pássaro Civil”. Há 33 anos. O jornal dos aeronautas passou a chamar-se “Pássaro Civil”.
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PÁSSARO CIVIL
A luta é longa. Em 1983, chegou ao Congresso. Na Câmara dos Deputados, o bravo Flávio Bierrenbach (PMDB-SP), neto de Flores da Cunha, também entrou na briga. Tivemos a primeira vitória: o tempo de trabalho caiu para 8 horas diárias: 6 voando, 2 à disposição das empresas. E ganharam um aumento salarial.
Mas a situação dos controladores de vôo continuou inalterada, sufocante, desesperadora, 33 anos depois. Apenas com pequenos reajustes. Não me venham agora os responsáveis do governo dizerem que não sabem de nada.
Senador Cavalcanti, pegue aí dentro, por favor, minha carta de vôo.
- Aqui não há carta de vôo. Aqui só há o “Guia 4 Rodas”.
- Pois é ele mesmo. Ele é minha Carta de Vôo.
- Você é um irresponsável. Vou cassar sua carteira de piloto. Onde já se viu usar um guia rodoviário como carta de vôo?
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COMO UM BODE
Mais um pouco, pelo “Guia 4 Rodas”, o piloto descobriu a estrada para Batalha. Foi por cima dela algum tempo, animou-se:
- Senador, fique tranqüilo. Agora já achei o raio da rota. Vou virar aqui pela direita e daqui a pouco estamos lá. É mais fácil.
- Nada disso, seu irresponsável. Você agora vai ter que ir pela estrada, fazendo as curvas, passando por cima dos viadutos, devagarinho e certo. Tem que ir como um bode. Ouviu? Como um bode!
Chegaram a Batalha. Como os bodes.
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AVIAÇÃO
Deus seja louvado, a aviação brasileira não voa pelo “Guia 4 Rodas” nem como os bodes. É uma das mais modernas e seguras do mundo. Aviões de último tipo. Quando o País sofre um Apagão Aéreo, a culpa não está nos aviões, mas nos governos, nos dirigentes, nos homens.
O Brasil segue o velho crime de as coisas serem feitas não para serem feitas, mas para alguém ou alguns ganharem dinheiro ao serem elas feitas. Temos tecnologia aeronáutica maravilhosa, aviões e aeroportos maravilhosos, até um Aerolula, mas aeronautas e aeroviários, pilotos, comissários e controladores de vôos às vezes submetidos a um sistema de trabalho escravista. Não é de agora e não é por falta de denúncias e duras lutas.
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AERONAUTAS
No dia 28 de dezembro de 1979, escrevi na Tribuna uma coluna – “Os Escravos do Ar” – denunciando “uma profissão de cão: a consciência do risco, a intimidade com o perigo, a tensão da responsabilidade, que fazem os cabelos dos aviadores embranquecerem mais rápido e a elegância das esgalgas aeromoças ruir mais cedo, subindo e descendo todo dia, toda hora”.
“Trancados em cabines pressurizadas, respirando um ar artificial, vivendo e convivendo com a paciência, para enfrentar a natural neurose antiaérea dos passageiros, aqueles magotes de homens vestidos de azul marinho e lindas meninas de lenço no pescoço, entrando nos hotéis tarde da noite, saindo às cinco da manhã, dando plantão nos aeroportos, numa permanente e terrível disponibilidade, parecem príncipes e princesas, e tantas vezes são escravos”.
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CONTROLADORES
Naquela época, eles começavam uma luta comandada pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas e pelas Associações de Pilotos. Eram os únicos brasileiros que trabalhavam legalmente mais de 8 horas por dia: 11 horas, 8 voando e 3 à disposição das empresas, nos aeroportos, nos hotéis, em casa.
Mais escravos ainda eram os controladores de vôo: amarrados aos monitores, os olhos esbugalhados, a vida dos outros nas mãos e ganhando salários ridículos, inacreditáveis. No dia seguinte, denunciei também a escravidão deles. Está aqui: – “Os Anjos do Céu”, 33 anos atrás. No centro da escravidão, um erro básico: o DAC (Departamento da Aeronáutica Civil) era subordinado ao Ministério da Aeronáutica.
No mundo inteiro, a aviação é subordiana a ministérios civis. Militarizados, não podiam fazer greve. Escrevi o terceiro artigo: – “O Pássaro Civil – O Avião é um Pássaro Civil”. Há 33 anos. O jornal dos aeronautas passou a chamar-se “Pássaro Civil”.
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PÁSSARO CIVIL
A luta é longa. Em 1983, chegou ao Congresso. Na Câmara dos Deputados, o bravo Flávio Bierrenbach (PMDB-SP), neto de Flores da Cunha, também entrou na briga. Tivemos a primeira vitória: o tempo de trabalho caiu para 8 horas diárias: 6 voando, 2 à disposição das empresas. E ganharam um aumento salarial.
Mas a situação dos controladores de vôo continuou inalterada, sufocante, desesperadora, 33 anos depois. Apenas com pequenos reajustes. Não me venham agora os responsáveis do governo dizerem que não sabem de nada.
14 de abril de 2012
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