"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 23 de abril de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY


QUEDA DAS BOLSAS

Era corretor. Figurão da Bolsa do Rio. Dez da manhã, durante todo o ano de 1971, estava ele lá na Praça XV faturando o “milagre brasileiro” de Delfim Netto na ditadura do general Médici. Maio, junho, julho, quase perdeu a cabeça. Nunca vira tanto dinheiro e tão fácil. Fazia comícios pelas esquinas. “Pra Frente Brasil”! Ame-o ou deixe-o”!
Comprou uma Mercedes, deu um carro Landau para a mulher, um Bugre para o filho, negociou um apartamento luxuoso de CR$ 300 milhões no Leblon, esquina do mar: 10 milhões por mês. Pagava em cima da perna. Só vestia ternos italianos, gravatas francesas, camisas de linho, sapatos de crocodilo. E importou um cão São Bernardo, de pedigree assinado em inglês.

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SÃO BERNARDO

O síndico criou caso. Cachorro grande não pode ficar em apartamento. Brigou, lutou, não deu jeito. Arranjou uma casa em Bonsucesso, comprou, contratou vigia e todo sábado ia ao subúrbio buscar o São Bernardo para desfilar com ele no calçadão de Ipanema e Leblon.
De repente, sumiu no trottoir financeiro da Ponte Aérea: de manhã na Bolsa do Rio, de tarde na de São Paulo. E mais do que de repente também sumiu do trottoir das Bolsas do Rio e São Paulo. Desapareceu.

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BOLSA

Uma tarde, um velho companheiro da Bolsa o encontrou na Avenida Rio Branco, no Rio, olhos baixos, terno amassado, passo lerdo. Ia como quem não ia a parte alguma. Fazia o inútil trottoir da rua.
– O que é que há? Por que essa cara tão triste?
– Afundei. Me atolei na Bolsa. Fiquei de papéis até as orelhas. Facilitei, naufraguei. Tomaram minha Mercedes, o Landau da minha mulher, o Bugre do meu filho e o apartamento. Tomaram tudo.
– E o São Bernardo?
– Me salvou. Vendi, dispensei o vigia, estou morando em Bonsucesso.
Na casa do cachorro. Que aliás é boazinha.

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CRISE

A crise atual, que derrubou Bolsas pelo mundo, levou grandes economias para a recessão e derrubou milhões de pessoas para abaixo da linha de pobreza. E também varreu a fortuna de alguns bilionários. Porém, no Brasil a fortuna de Eike Batista só faz crescer.
Mas o que é mesmo que Eike Batista faz para sua fortuna crescer tanto?

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1964

O golpe de 64 está chegando perto do meio século, dos 50 anos. Já pertence à História, como mácula, trambolho e vergonha. E cada vez mais será visto assim, como um acontecimento da vida do País. Não adianta tentar jogá-lo em um baú de ossos. A verdade da historia é como a queda das Bolsas, sempre dói.

23 de abril de 2012
sebastião nery

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