De Gaulle dizia que a velhice é um naufrágio — uma visão pessimista de mundo. Lucrécio (99 a.C.- 55 a.C.), um materialista, afirmava que, se a alma fosse imortal, não nos desfaríamos em lágrimas ao constatar que morremos. Huuummm…
Tivesse eu sido contemporâneo de ambos (quando De Gaulle morreu, em 1970, eu tinha só 9 anos…) e privado de sua intimidade, recomendaria que cultivassem a memória como antídoto contra a morte — a verdadeira morte é o esquecimento — e que (cito Drummond) procurassem o próprio queixo no queixo dos filhos (também dos netos, sobrinhos…).
A memória, felizmente, não me abandona. Recomendo vivamente: cultivem-na. Faço, assim, um introdução algo grandiloquente (não me conformo com o fim do trema…) para assunto até mesquinho, vulgar mesmo — em muitos aspectos, até vagabundo. Tento tornar esse mundo mais interessante…
Recuem — na área de pesquisa deste blog ou de qualquer site noticioso — a agosto do ano passado. Lembram-se da CPI do Dnit? Eu lembro!!!
A oposição chegou a conseguir o número necessário de assinaturas para instalá-la. Mas aí o governo fez um trabalho intenso de retirada de assinaturas, como vocês verão abaixo, e conseguiu matá-la no nascedouro.
O Planalto entrou com tudo. Curioso, não é?, que, enquanto isso, a Polícia Federal continuasse ali, com o sistema Espião ligado, ouvindo as maiores barbaridades…
Tivesse topado, então, a investigação, talvez a área já estivesse mais limpa. Vamos recapitular algumas coisas. Transcrevo trecho de uma reportagem de João Domingos, no Estadão, do dia 4 de agosto do ano passado. Leiam com atenção. Volto em seguida.
*** *** *** ***
Tendo à frente a própria presidente Dilma Rousseff, que contou ainda com a ajuda de ministros e líderes na Câmara e no Senado, o governo conseguiu enterrar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Transportes requerida pela oposição. Para abortar a CPI, o Planalto prometeu acelerar obras, apoiar um candidato ao Tribunal de Contas da União (TCU) e até garantir a presença de Dilma na inauguração de uma ponte.
O governo conseguiu que dois senadores da base aliada retirassem suas assinaturas a favor da CPI. Como a oposição havia coletado 27 assinaturas - número mínimo para a instalação de comissão parlamentar no Senado -, as duas baixas inviabilizaram a iniciativa. Com apenas 25 assinaturas, o requerimento foi mandado pelo presidente José Sarney (PMDB-AP) diretamente para o arquivo. Se quiser abrir uma CPI, a oposição terá que recomeçar a coleta de assinaturas. O objetivo da CPI era investigar as irregularidades no setor de transportes, que já resultaram na demissão de 27 pessoas, entre elas o ex-ministro Alfredo Nascimento e o ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária (Dnit) Luiz Antonio Pagot.
O senador João Durval (PDT-BA), o primeiro a retirar a assinatura, recuou em troca da promessa do governo e do PT de apoiar a candidatura de seu filho, o deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), para vaga de ministro do TCU. Até então, Dilma mostrava-se simpática à candidatura da deputada Ana Arraes (PSB-PE), mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Carneiro conseguiu da bancada de 86 deputados do PT a promessa de que cada um buscará o voto de um colega a seu favor na disputa pelo TCU. O cargo de ministro do tribunal é vitalício.
(…)
Durval teria recebido ainda a promessa de que, enfim, será construído um anel viário em Feira de Santana, núcleo de sua base eleitoral, reivindicação que ele faz há cinco anos ao governo. Como Alfredo Nascimento prometia o anel viário e não o fazia, Durval vingou-se assinando o requerimento da CPI. Mas recuou para não prejudicar o filho.
(…)
Durval teria recebido ainda a promessa de que, enfim, será construído um anel viário em Feira de Santana, núcleo de sua base eleitoral, reivindicação que ele faz há cinco anos ao governo. Como Alfredo Nascimento prometia o anel viário e não o fazia, Durval vingou-se assinando o requerimento da CPI. Mas recuou para não prejudicar o filho.
“O governo operou mesmo para impedir a CPI”, disse ontem o líder do governo no Senado, senador Romero Jucá (PMDB-RR). “A CPI não vai servir de instrumento de açoite do governo pela oposição.” Já o líder do governo no Congresso, deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), afirmou que trabalhou nas últimas 24 horas para acabar com a CPI antes mesmo que ela começasse. Também retirou a assinatura o senador Reditário Cassol (PP-RO), suplente e pai do titular Ivo Cassol (PP). O próprio filho ajudou o governo a levar o pai ao recuo. De acordo com parlamentares da base, o filho lembrou ao patriarca que os Cassol são empresários do setor de geração de energia elétrica e fazem negócios com o governo.(…)
Voltei
Sim, não se conheciam ainda detalhes do esquema de Carlinhos Cachoeira, mas o que as reportagens de VEJA havia mostrado provavam que algo de muito podre se passava no Ministério dos Transportes e no Dnit. Como se nota pela confissão dos líderes governistas, a ordem era não instalar a CPI. Ponto!
E por que, agora, a CPI do Cachoeira andou tão depressa? Porque a oposição topou imediatamente a investigação e, desta vez, uma parte do petismo aderiu, toda assanhada, à proposta.
Havia a crença, FUNDADA EM INFORMAÇÕES FALSAS E NA PURA FOFOCA, de que a tal “mídia” — sabem, né?, “mídia” é jornalismo decente, que os petralhas odeiam — estaria comprometida com o esquema criminoso de Carlinhos Cachoeira.
Alimentou-se a fantasia, certamente baseada em leituras apressadas e fragmentadas, de que as revelações da Polícia Federal destruiriam o jornalismo independente, o que era, obviamente, do interesse dos mensaleiros.
Mais: num primeiro momento dos vazamentos, a anti-estrela solitária da lambança era o senador Demóstenes Torres (GO), até então uma das figuras mais vistosas da oposição — era respeitado até por quem não comungava dos valores ideológicos que alardeava.
Desmoralizar a oposição e a “mídia” pareceu a Lula e a Zé Dirceu uma chance de ouro.
Mais: vazamentos seletivos indicavam que a confusão iria bater às portas, e foi mesmo!, do tucano Marconi Perillo, governador de Goiás, detestado pelo Apedeuta. Bom demais para ser verdade, devem ter pensado os que sempre sonharam com o Partido Único. Seriam aniquiladas num só golpe a oposição e a… mídia!
Tiro n’água
A acusação contra a imprensa foi desmoralizada de maneira até vexaminosa. Subsiste hoje apenas na pena de alguns aloprados, que têm de continuar a fazer o serviço pelo qual são pagos — com dinheiro público! E, ora vejam, surgiu uma Delta no meio do caminho, com a sua, digamos assim, força avassaladora. Na mesma corrente em que o PT sonhou arrastar Marconi Perillo, também podem rodar Agnelo Queiroz (PT), governador do Distrito Federal (e esse é apenas um de seus problemas), e a figura até então ascendente da política (eu, ao menos, nunca entendi por quê…) Sérgio Cabral (PMDB), governador do Rio. E isso pode ser apenas o começo. Imaginem, então, se Luiz Antônio Pagot (ver post abaixo) resolver falar.
Os que se assanharam na esperança de “destruir a mídia” — e se destaque, em nome da precisão, que esse ímpeto foi de Lula e José Dirceu, não do Planalto (embora se ligue à chicana, sim, já digo como) — certamente ignoravam o grau de intimidade entre a Delta e o esquema de Carlinhos Cachoeira.
Aí tudo ficou, de fato, enrolado demais! PT e PMDB fecharam ontem uma espécie de pacto para deixar os governadores fora da investigação — e o PSDB não vai reclamar se as coisas caminharem por aí. Ficariam, assim, fora da CPI Marconi Perillo, Agnelo Queiroz e Sérgio Cabral.
Com isso, pretende-se, também, afastar Fernando Cavendish, o dono da Delta, do imbróglio.
Nota à margem: o governo se liga à chicana à medida que órgãos públicos e estatais financiam a pistolagem na Internet. Sigamos.
Para onde vai a CPI? Sabendo o que sabem, Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres aceitarão arcar sozinhos com a punição? Vamos ver quais instruções lhes darão seus respectivos advogados, dois criminalistas experimentados: Márcio Thomaz Bastos e Antônio Carlos de Oliveira Castro, respectivamente.
Parece-me que tudo caminha para a chamada estratégia de redução de danos. Se decidiram botar fogo no circo, arrastando meio mundo político junto, eles próprios sabem que o futuro não lhes será leve. Entre se danar muito danando a muitos e se danar menos preservando alguns parceiros de viagem, a racionalidade lhes apontaria o segundo caminho.
Quando o Planalto percebeu — e tarde! — o tamanho do rolo, já não dava mais tempo de recuar. Lula e Zé Dirceu, por sua vez, viram frustrado o intento de mandar a imprensa para o banco dos réus. Anos de gravação flagraram o jornalismo fazendo o seu se trabalho, buscando notícias que eram do interesse público, como aquela que levou à demissão de 27 valentes do Ministério dos Transportes — inclusive, sim, Luiz Antônio Pagot (ver post abaixo).
E a tentativa de negar a existência do mensalão, origem da fúria da turma? O tiro saiu pela culatra. Em vez de jogar areia nos olhos da população, chamou a atenção para a tentativa de golpear a moralidade. A pressão para que o ministro Ricardo Lewandowski conclua a revisão do processo só cresceu. PODE ATÉ SER QUE O SUPREMO INOCENTE TODO MUNDO, MAS NÃO SERÁ POR CAUSA DESSA CHICANA.
Pois é… Lula e Zé Dirceu quebraram a cara desta vez:
a) a imprensa independente sai limpa dessa história;
b) muita gente que estava alheia acordou para o mensalão;
c) é a base governista quem se articula mais freneticamente para esfriar a CPI. De quebra, o jornalismo financiado pelo estado mostrou a cara como nunca.
O Zé forçou a amizade, e a turma teve de se ajoelhar no ridículo. Não há quadrilha na Internet que consiga mudar os fatos, as gravações, o conteúdo do inquérito. O Brasil ainda não é a Venezuela, a Argentina ou o Equador.
E, se depender dos brasileiros e da imprensa livres, não será!
03 de maio de 2012
Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário