"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 3 de maio de 2012

"TENTAR TIRAR DELTA E AGNELO DA CPI É UM ESCÂNDALO"

A confissão descarada do PT: CPI tem é de pegar só a oposição. Ou: A Operação Salva-Agnelo. Ou ainda: Cachoeira tem de explodir, mas de um lado só!


Em outros tempos, a notícia seria um escândalo em si; nestes, não! Ao contrário até: há quem a tome como evidência de esperteza e prova de que o partido é mesmo organizado. A que me refiro? Manchete do Estadão de hoje informa que o governo tenta tomar as rédeas da CPI para que ela não “perca o foco”. A expressão “manter o foco” vem sempre carregada de valor positivo, não é? Confunde-se com coisa boa. Não nesse caso. Com isso, o governo e os governistas pretendem, de forma declarada, duas coisas:

a) manter a Delta longe das investigações; a ordem é impedir que diretores da empresa, com a exceção de um que está preso e de outro que está foragido, sejam convocados;
b) concentrar a artilharia em Marconi Perillo, governador de Goiás (PSDB).

Lendo a reportagem do Estadão, a gente vê que os petistas não escondem seu intento, não. Eles consideram que se trata de algo absolutamente legítimo. É evidente que confrontos entre governistas e oposicionistas não desaparecem numa CPI; também nelas as diferenças se manifestam etc e tal. Mas um mínimo de decoro se faz necessário, não é? A revelação, a céu aberto, sem subterfúgios ou considerações oblíquas, de que o governo atua para livrar a cara da Delta é tão escandalosa quanto as lambanças de que a empresa participa.

Reportagem de O Globo demonstra que era tal a proximidade de Carlinhos Cachoeira com a construtora que o contraventor se fez presente no apoio a Fernando Cavendish mesmo num momento dramático de sua vida, quando um acidente de helicóptero matou pessoas de sua família. Não se tratava, já está mais do que evidente, de esbarrões aqui e ali no chamado “mundo dos negócios”; ao contrário: eram relações sistemáticas, mediadas por dinheiro público.

Mesmo assim, os petistas anunciam: a ordem é tirar a Delta das investigações. Por quê? A resposta é uma só: porque a construtora é a empresa privada que mais recebe recursos do PAC e porque isso pode gerar um terremoto em vários estados — o Rio poderia ser, assim, ma espécie de epicentro do sismo Ninguém chega a ser Cavendish na vida acumulando poucas informações. Mais: ele já está “fazendo a sua parte”, retirando a construtora de alguns empreendimentos e se afastando, oficialmente ao menos, do comando da operação. Mas há um limite para o esmagamento.

Acreditem: o PT está decidido a impedir que Cavendish fale à CPI. Se vai conseguir ou não, aí vamos ver. O governismo tem maioria para convocar quem bem entender — e, pois, para impedir convocações também.

Tudo por Agnelo

A matéria do Estadão informa o que chegou a ser verdade até o fim de semana: o PT estaria disposto a entregar a cabeça de Agnelo desde que possa produzir o que considera um estrago maior na oposição: degolar Perillo. Não é mais assim. Agnelo já avisou o comando do partido que não aceita ir para o sacrifício coisa nenhuma! Desde que migrou do PC do B para o PT, considera que prestou relevantes serviços ao partido e ao governo petista — com destacada atuação nos bastidores da operação que desmantelou a quadrilha de José Roberto Arruda no Distrito Federal. Agnelo atuou segundo seus métodos, que o PT nunca ignorou.

Há, sim, um pedaço do partido que avalia que, cedo ou tarde — e esse grupo teme que se dê mais tarde do que seria prudente —, Agnelo cairá em desgraça. Mas Lula, José Dirceu e Rui Falcão (esses dois são corpos distintos numa só cabeça) acham que é preciso fazer “a luta política” para preservar o governador do Distrito Federal, denunciando uma suposta conspiração contra esse verdadeiro herói da ética.

Há uma falsa questão na qual o PT e os subjornalistas a serviço do petismo se fixam: a gangue de Cachoeira estaria chantageando Agnelo Queiroz. É mesmo? Digamos que fosse apenas isso, pergunta-se: a chantagem se deveria exatamente a quê? Por que Agnelo estaria sendo intimidado pelo bando?

Fator Márcio Thomaz Bastos

O PT está deixando claro, sem qualquer reserva, que não quer investigar coisa nenhuma! Obedecendo ao comando inicial de Lula e de José Dirceu, o partido luta para que a comissão de inquérito se limite ao linchamento da oposição e da imprensa. Em ano de eleição e de provável julgamento do mensalão, os petistas acham que está de boníssimo tamanho. Também não escondem, nas conversas que mantêm nos bastidores, que pretendem fazer valer a sua maioria na comissão. Mais ainda: consideram que o fato de o petista Márcio Thomaz Bastos ser advogado de Carlinhos Cachoeira representa uma segurança e tanto. Bastos, já escrevi aqui, não é um criminalista qualquer — a partir dos honorários… É um estrategista. O partido tem a convicção de que nada virá de Cachoeira que agrave a situação dos companheiros. Na verdade, apostam que, se Cachoeira explodir, será uma explosão do lado de lá da linha.

É o que temos.

03 de maio de 2012
Reinaldo Azevedo

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