"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 3 de maio de 2012

CARTA DE UM NECRÓFILO AO STF

          Artigos - Direito        

Se até matar fetos inocentes se tornou “direito”, poderá ser fácil a legalização de outros absurdos, como a pedofilia - que já dispõe de ampla militância (de esquerda, claro) a favor - e a necrofilia, agora defendida por islâmicos no Egito em projeto de lei.

Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Em virtude da sequência de decisões favoráveis à marcha da maconha, à união civil de homossexuais, ao aborto de fetos anencéfalos e às cotas raciais em universidades, não posso deixar de apelar para que o STF do Brasil aprove, junto com o Parlamento do Egito, o projeto de lei em favor da necrofilia matrimonial, doravante denominada "relação de despedida", "finalização terapêutica do amor", "posfácio da paixão", ou, aqui entre nós, "rapidinha post mortem" (embora, esclareço, o marido egípcio tenha um prazo de 6 horas após o falecimento da esposa para a realização da tarefa).

Se um ser humano tido como sem vida ou inumano pode ser eliminado no útero para aliviar o sofrimento da mãe, por que não poderia outro ser lavado e comido, digo, penetrado para aliviar a dor de um recém-viúvo? Ah, dirão os reacionários, mas o risco de sobreviver à morte da esposa é inerente ao casamento! Por certo que sim, direi eu, mas do mesmo modo o é, ao ato sexual, o risco de gerar um feto anencéfalo, e nem por isso a douta maioria da Corte deixou de permitir o aborto.
Neste caso, ademais, falamos da eliminação de um terceiro, enquanto que a "rapidinha post mortem" é tão somente uma homenagem póstuma - e, ouso dizer, amorosa - a uma saudosa senhora. O que seria a introdução peniana na vagina de um cadáver fresquinho perto da incisão cirúrgica de um bisturi no crânio fetal? Nádegas!

O recente filme "A perseguição" ainda ilustra à perfeição um dos maiores dramas masculinos relativos à morte. Um grupo de sobreviventes à queda de um avião precisa enfrentar os lobos nas montanhas nevadas do Alasca. Em momento de aparente calmaria ao redor de uma fogueira, um deles revela aos demais o nobre motivo que o faz lutar tão bravamente pela vida, qual seja - lamento revelar -, o de que sua última transa não pode ter sido aquela com uma prostituta velha e flácida. Ora: como não se compadecer diante de tão sincera confissão?, de tão justo ideal de se despedir deste mundo de maneira menos humilhante? É uma questão de dignidade humana, Senhor Presidente!

Pois imagine um sujeito cujo último ato de amor com sua esposa não foi dos melhores. Seu desempenho foi fraco, abaixo das expectativas, ou, nos casos mais graves, ele não conseguiu ter ou manter sua ereção. Pode ser também que ela tenha refugado, que eles estivessem brigados há algum tempo, ou mesmo - com o perdão da imaginação pérfida - que combinaram, por razões ludicamente eróticas, um longo jejum a ser interrompido na noite do mesmo dia em que ela morreu.

O Senhor é capaz de conceber a que sorte, digo, azar de sofrimento perpétuo tal fatalidade submete este sujeito? O óbito da mulher com quem tivemos uma última relação remota ou insatisfatória nos priva da possibilidade de redenção sexual. E sobretudo para os broxas, Senhor Presidente, a última impressão é a que fica!

Todos devem ter a oportunidade de amenizar tal constrangimento. Para uma Corte que modernizou o conceito de casamento "entre homem e mulher", tampouco será difícil estender aos homossexuais casados o direito à "finalização terapêutica do amor".
Zamzami Abdul Bari, defensor da mesma, alegou não apenas que o casamento se mantém válido após a morte, como também que as mulheres teriam igual direito à relação sexual com o marido morto e, muito embora não tenha sabido explicar como se daria a coisa, nós sabemos que um viagra póstumo não é uma descoberta tão difícil assim para a indústria farmacêutica, podendo satisfazer em breve tanto as viúvas heterossexuais quantos os viúvos gays, inclusive se passivos!, desde que estes saibam ter uma passividade ativa, se é que me faço entender.

Nos EUA, a venda controlada de maconha medicinal multiplicou as receitas médicas falsas em 15 estados e, no Brasil, a legalização do aborto de anencéfalos deve resultar em um sem-número de diagnósticos de "anencefalia" para fins abortivos, mas nada melhor para nós, autores do "posfácio da paixão", que isto seja ignorado.

Quando a permissão legal para a "relação de despedida" produzir uma grande micareta nos velórios, com DJs, Open Bar e filas de maridos virtuais, convido o Senhor Presidente a entrar comigo, cantando o clássico do axé: "Eu sou o lobo mau, hau, hau / E o que você vai fazer, HAAAAAAA / vou te comer, vou te comer, vou te comer!". (Mas não se empolgue: o corpo de minha mulher, Maria dos Prazeres, é propriedade exclusivamente minha, por toda a eternidade, ok?)

Não é o meu caso, mas não posso deixar de apelar, também, para que o STF compense a discriminação secular sofrida pelos homens feios, permitindo uma "rapidinha post mortem" com as beldades que morrerem solteiras. Seria uma espécie de doação controlada de órgãos para o alívio de desejos e ressentimentos acumulados.

Os brancos com nota superior aos negros não têm menos direito do que estes às vagas universitárias? Que mal haverá, então, em deixar os homens bonitos, principalmente se solteiros, com menos direitos sexuais que os feios? É justo, ora! Qualquer coisa, basta o ministro Levandowski dizer que a "discriminação positiva" dos feios "não poderia ser permanente", mas apenas vigente enquanto necessária para desfazer as injustiças derivadas do preconceito estético das mulheres, cujas escolhas amorosas tendem a valorizar padrões nos quais eles não se encaixam, a despeito da boa lábia.

Aproveito para convocar todos os ministros para a Marcha dos Necrófilos, a sair em breve do Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, em direção ao Caju, sob a liderança deste humilde militante, ao lado de sua (minha) vivíssima esposa, Maria dos Prazeres, e dos membros mais engajados do Sindicato dos Coveiros, que coincidentemente inicia greve no mesmo dia.

Não se trata de maneira alguma de apologia da "finalização terapêutica de amor", mas do mais puro exercício da liberdade de expressão, tal qual aquele que o STF permitiu aos famigerados maconheiros. Vamos gritar "Ei, polícia, necrofilia é uma delícia!", sempre de forma não ostensiva, é claro, levantando cuidadosamente nossas enxadas, na esperança de que o Brasil laico não fique atrás do Egito islâmico em matéria de paraíso prometido.

Que o Senhor Presidente faça valer suas palavras de que um bom juiz deve decidir com o "pensamento" e o "sentimento", e sinta portanto, diante de tamanho sofrimento dos homens, o dever de fazer com as letras mortas da Constituição e da Bíblia o que nós queremos fazer com nossas esposas enrijecidas.

Escrito por Felipe Moura Brasil

Saudações fúnebres,

Necrofileno dos Prazeres Mórbidos
Diretor-Presidente dos Necrófilos Anônimos

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