"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 3 de maio de 2012

CLAREANDO AS IDÉIAS

          Artigos - Direito    
    
coffee with milkNo domingo, eu escrevi um texto de oito linhas a que dei o título de Preto não. Provocador, mas inescapável. Eu, falando em primeira pessoa, antevia o que muito provavelmente vai acontecer (e já está acontecendo). Gente que não se importa(va) com cor da pele passando a discriminar profissionais negros pelo seu acesso à universidade por cotas, e não por mérito.

A idéia era mostrar num outro texto que, em breve, pelo andar da carruagem (pressão do movimento negro e a tendência do STF de decidir pelo clamor das ruas), acabaria sendo aprovada a cota de notas: alunos negros já teriam garantida, de saída, nota 2. Se tirasse 3 na prova, já passaria por média 5.

Afinal, não seria justo exigir que o preto, oprimido e excluído por 500 anos, atingisse a mesma nota que os filhos da elite branca que estudaram em colégios caros e têm dinheiro para comprar livros e adquirir cultura. Ademais, professor, com esta patrulha toda, não arriscaria a reprovar aluno preto, vai que acham que é racismo e o demitem...).

Era isto: política de cotas (políticas afirmativas, de um modo geral) é tiro pela culatra, vai criar 'racismo' onde não tem. Não é desculpa, é explicação, eu escrevi aquelas oito linhas rapidamente e publiquei, não havia ali nada que pudesse dar margem a outro tipo de interpretação. Há um raciocínio lógico que leva a uma conclusão inequívoca.

A linguagem 'curta e grossa', como um leitor adjetivou, foi, em parte, intencional (para chamar a atenção) e, em parte, fruto da pressa com que foi escrita. Tenho muito pouco tempo para escrever, quando me ocorre uma idéia, escrevo primeiro no Facebook, onde o texto tem de ser preferencialmente curto. Em seguida, copio-colo e publico no blog. Eu não cogitei em nenhum momento que a redação pudesse provocar confusão ou conter ambiqüidade.

Agora, cá prá nós, a reação foi desproporcional. Fui acusada e xingada de racista, além de outros adjetivos impublicáveis. Basta reler o texto, não há porque deixar de considerar que, sim, eu devia estar falando de cotas. Se eu escrevesse " cotista eu não quero', ficava bom, era isto claramente o que meu texto dizia: a mim não faz diferença cor da pele, mas a partir de agora (força de expressão, será daqui a algum tempo, quando os cotistas saírem das universidades e estiverem no mercado de trabalho), qualquer profissional negro pode ser olhado com desconfiança, sua habilitação técnica pode ser questionada e diminuída.

Afinal, formar-se não lhe teria custado o mesmo esforço e capacidade intelectual exigidos daqueles que ingressaram nas universidades porque eram, sim, os melhores. Era isto.

Com toda a confusão e ambiguidade, esta hipótese e interpretação não podiam ser descartadas. A menos que houvesse má-fé, ação coordenada de tropa de choque e militância intimidatória.

Ninguém se deu ao trabalho de ler outros textos meus? Desafio a que me mostrem uma única palavra, dúbia que seja, de conotação racista.

Não é engraçado que esta mesma racista asquerosa tenha escrito em janeiro de 2011, ao analisar uma apostila do COC, usada por minha filha no colégio onde estudava, as seguintes palavras (meu texto está em azul):

http://blogdemirianmacedo.blogspot.com.br/search?q=pente+fino+ 


 
"Podemos tomar como exemplo a escravidão, justificada (por quem?) pela condição de inferioridade do negro, (Bobagem. O negro era, sim, superior. Forte, resistente, saudável, esperto, inteligente, e alegre. Por isto, era boa mercadoria. Além disto, eram os próprios negros africanos que vendiam outros negros escravizados aos comerciantes europeus.)"

Neste mesmo texto, eu ainda escrevo:
(Tem gente que garante até hoje que a Igreja Católica teria, a época da escravidão, legitimada a escravidão, por considerar o negro um animal desprovido de alma. É mentira. Para a Igreja, todo ser humano tem alma, "soprada" por Deus no instante da concepção. E a Igreja obedece a Nosso Senhor Jesus Cristo, que ordenou aos apóstolos: "Ide e ensinai a todas as gentes tudo o que eu vos ensinei, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo". Em 1537, o Papa Paulo III publicou a Bula Veritas Ipsa (também chamada Sublimis Deus), condenando a escravidão dos 'índios e as mais gentes'.

Pois é, a única coisa que os ofendidos viram e leram foram aquelas oito mal traçadas linhas. E meu blog foi invadido por dezenas de almas nobres e sábias acusando-me de ser racista (sic)!

E mais: recebi ameaças explícitas à minha integridade física:

"Sua racista filha da puta...vc não tem noção de humanidade, e de ser jornalista muito menos...seu preconceito é vergonhoso para nossa sociedade! Se você não estiver com medo de sair de casa é bom começar a ter... Anônimo."

Eu estou levando ao conhecimento da polícia, com denúncia formal e processo. É minha resposta ao aviso da tropa de choque: vão me levar às barras dos tribunais. Ui! Quanta valentia.
Vamos imaginar: e se eu não quiser me consultar com um médico formado no Paraguai, por não confiar na qualidade de ensino das faculdades de medicina paraguaias, isto é crime de xenofobia? Quer dizer que os meus vizinhos do Cone Sul podem me levar às barras dos tribunais como criminosa? Eles devem protestar em passeata com cartazes onde se lê "Paraguaios, uni-vos. Abaixo Mírian Macedo"? Parece gracinha, mas não é.

Eu repito: eu declarei que não me importa a cor da pele das pessoas. Eu não faço diferenciação alguma entre preto, branco ou amarelo. Agora, daquelas pessoas que escolhem profissões em que a formação intelectual e a habilitação técnica são essenciais e imprescindíveis, eu exijo mérito.

Minha opinião é que o estudante deve entrar na universidade porque teve as notas mais altas no vestibular e tem que se formar porque passou em todos as avaliações.

As cotas para pretos nas universidades não são baseadas em mérito, e sim na 'raça'. Se para preto tem cota 'racial', eu não quero preto porque eu não aceito cota, só mérito. É lógica primária.

Sou católica, minha religião ensinou-me a agir com caridade, que é amar o próximo por amor a Deus. Não olho para os negros com olhos de coitado. Compaixão e solidariedade nada tem a ver com sentimento de coitadismo.


Reconhecer-lhes a herança pesada, cruel e injusta por conta de 400 anos de escravidão (de que são, em grande parte, culpados e responsáveis os próprios negros africanos, prósperos e eficientes comerciantes até o século XIX, quando o europeu pôs de fato o pé na África - antes limitavam-se a negociar os escravos nos portos) não significa que eu considere a política afirmativa de cota e outras 'compensações' a melhor solução. Eu acho que acabam por piorar a situação econômica do negro e provocar o surgimento de preconceito, como no caso a que me referi dos médicos, dentistas engenheiros etc.

Basta ouvir o que diz o economista americano negro, Walter Williams, totalmente contrário às políticas afirmativas. Ele demonstra que estas políticas fizeram mal aos negros americanos e aconselha que não se as adote no Brasil.

Vale a pena ver a entrevista inteira:
 

No que diz respeito ao acesso à universidade, eu não tenho dó de ninguém, nem de negro nem de pobre, naquele diapasão do 'coitadinho'. A dívida e indignação tem que ser com aqueles que querem estudar e não conseguem. Quem disse que todo mundo tem que entrar numa faculdade? Ensino superior é para quem quer estudar e para quem pode (no sentido intelectual da possibilidade).
Ensino superior tem de ser para poucos (eu disse para poucos, não para ricos). Efeito irradiante. O mundo está cheio de moças e rapazes endinheirados e de moças e rapazes pobres que não dão a menor importância ao saber. Qualquer um dos dois que entrar numa universidade pública é dinheiro de quem paga imposto rasgado e jogado no lixo.

O Estado deve garimpar na escola pública os alunos pobres (brancos, pretos, pardos, japoneses, qualquer um) que querem estudar e dar-lhes condições, bolsas e sustento para isto. Com a escola vagabunda que há no Brasil, pública e privada, este demagogismo da 'universidade para todos' e bolsas de Prouni à mancheia só levam ao rebaixamento da já degradada universidade brasileira.
A universidade ou acaba rebaixando o nível para que o aluno mal formado acompanhe os cursos, ou estes alunos, precariamente educados nas escolas públicas deficientes, acabam por abandonar a universidade por falta de condições de se formar.

No Brasil, o estudo e o esforço para a obtenção de conhecimento é menos valorizado que a biografia de uma pessoa como Lula, que não é um pobre analfabeto, é só um rico ignorante. Luis Inácio Lula da Silva é santificado pela maioria dos jornalistas e intelectuais porque eles vêem na condenação da ignorância um preconceito contra o povo. Lula acha que ele sabe mais porque leu menos.

Esta conversa toda em torno da 'democratização do ensino' e da 'universidade para todos', não passa, na minha opinião, de manobras eleitoreiras de um partido que não parece disposto a sair tão cedo do poder.

Quanto a filho de rico, que vá pagar sua universidade, mesmo que seja universidade pública. Esta tem que atender a quem não tem dinheiro e quer estudar. Quem estudou a vida toda em escolas particulares é porque tem condições de pagar uma faculdade. Elementar.

No Brasil, a inversão é diabólica: a universidade pública, que é muito concorrida pela qualidade (sabemos que nem é tanta assim) e gratuidade, acaba beneficiando os filhos da elite econômica que estudam em boas escolas particulares e fazem cursinhos caros, enquanto os alunos pobres, oriundos da precária escola pública, só conseguem frequentar faculdades particulares pagas, que são geralmente noturnas e de baixa qualidade.

A perversidade é dupla: quando não é o próprio aluno que arca com o custo da mensalidade, trabalhando de dia e estudando à noite, é o dinheiro público que, através de PROUNIs, escoam verdadeiros rios para instituições de ensino superior privadas, as famigeradas lojinhas de ensino.


PS: Não me subestimem, eu conheço a tecla print screen.

03 de maio de 2012
Mírian Macedo é jornalista.

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