Inicialmente inseridas na nova lei de transparência, empresas foram pouco a pouco sendo isentadas da obrigação de informar o cidadão com a justificativa de não prejudicar os negócios
Estatais argumentam que, em um mercado competitivo, precisam se proteger (Thinkstock)
A nova Lei de Acesso à Informação, que veio com a promessa de abrir ao cidadão as informações de órgãos e empresas ligadas ao governo federal, deu com a cara na porta das estatais. Com o argumento de que precisam se proteger dentro de um mercado competitivo, essas empresas se mobilizaram para que não tivessem de estar sob o mesmo rigor da lei de transparência que os outros órgãos públicos. Receberam do governo, então, a autorização para classificar, elas próprias, as informações que seriam ou não estratégicas e definir, assim, o que divulgar para o cidadão.
Obviamente, faz todo sentido proteger dados relacionados diretamente com a atividade fim de empresas públicas e mistas, onde muitos cidadãos investem seu dinheiro por meio da compra de ações, com o objetivo de evitar o comprometimento de seu desempenho diante da concorrência.
O problema é que as estatais quiseram se livrar da responsabilidade pela transparência no atacado, conseguindo que o texto da lei deixe uma margem de manobra que permitiria o uso da justificativa do interesse econômico para negar informações, por exemplo, de interesse político.
“O decreto que regulamenta a lei foi muito mal redigido, acho até que propositalmente. Acredito que houve pressão das próprias estatais e, pelo conhecimento que tenho do assunto, a Advocacia Geral da União (AGU) também agiu nesse sentido, para se posicionar melhor perante eventuais litígios no futuro”, afirma Fabiano Angélico, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas especialista em transparência pública..
A redação da lei 12.527, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em novembro do ano passado, deixava claro que todos os órgãos públicos, incluindo as estatais, teriam de abrir suas informações para o cidadão. No dia seguinte a entrada em vigor da lei, em 16 de maio, um decreto regulamentador restringiu a divulgação de dados das empresas públicas em regime de concorrência – como a Petrobras, Eletrobrás e Banco do Brasil –, às normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que já acontecia antes da lei. Ou seja, na prática, nada mudou para essas empresas com a Lei de Acesso à Informação.
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Falta de regulamentação pode atrasar eficácia da Lei de Acesso à Informação
CGU: "No início, não haverá a agilidade desejada"
Para completar, uma portaria do Ministério do Planejamento, publicada em maio, que determinava a divulgação dos salários de servidores de órgãos e empresas públicas federais deixou de fora as estatais em regime de concorrência e liberou as demais de publicarem a informação no Portal da Transparência do governo federal. “As estatais foram saindo de fininho. A lei as englobou. O decreto já mencionou as normas da CVM. E a portaria sobre os salários também as excluiu. Aliás, atribui-se a demora na publicação do decreto à pressão das estatais junto à Casa Civil”, afirma o economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco.
A própria Controladoria-Geral da União (CGU) admite que os pedidos de informação às estatais dentro da nova lei serão avaliados caso a caso pelas próprias empresas. “O conceito de ‘informação estratégica’ deverá ser estabelecido no caso concreto, levando-se em consideração o princípio da não divulgação das informações que possam acarretar prejuízos à competividade, à governança corporativa e, quando houver, aos interesses dos acionistas minoritários”, informou a CGU por meio de nota. Segundo a controladoria, não é possível determinar a priori as informações que são consideradas estratégicas, e ressalta que “se uma estatal invocar o sigilo comercial, por exemplo, para negar acesso a uma informação, ela terá de fazê-lo de modo fundamentado, e estará sujeita aos mecanismos de revisão da negativa ou da classificação da informação”. Se o requerente quiser realmente levar até o fim o pedido de informação, é preciso paciência. Se tiver que passar por todas as instâncias, o recurso pode levar mais de quatro meses.
“Infelizmente, a lei como está hoje, não fará muita diferença na transparência das sociedades de economia mista. Essas empresas estão sujeitas à regulamentação da CVM, que não é muito rigorosa nesse respeito. Na prática, as estatais vão divulgar o que quiserem”, explicou o consultor em Direito Público Manoel Joaquim Reis Filho. Diante das negativas das empresas, muitos solicitantes podem procurar a Justiça para ter acesso às informações.
Todas as regulamentações que acabaram por praticamente excluir as estatais da Lei são frutos da gestão direta junto à Casa Civil da Presidência da República. A Caixa Econômica Federal admitiu, em nota ao Site de VEJA, ter mantido reuniões com autoridades sobre o assunto. "Assim como outras instituições envolvidas, em reuniões com as esferas do governo que trataram da implementação da Lei de Acesso à Informação, a CAIXA também demonstrou suas especificidades como empresa pública que atua em regime de concorrência", diz a nota, que afirma que a CEF "se propõe a seguir as diretrizes estabelecidas pela LAI, contudo sem expor a sua estratégia de negócios".
Classificação – Especialistas apontam dados técnicos relacionados à atividade produtiva da empresa, informações sobre licitações, pesquisas, novas tecnologias e segredos industriais como exemplos de dados que podem ser classificados como estratégicos e que devem ser protegidos. Porém, questionam a falta de obrigatoriedade na divulgação de informações como patrocínios, doações, relatórios de viagens e detalhes de contratos.
“Esse tipo de informação é estratégica politicamente, não em termos de concorrência”, explica o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília, David Fleischer. “Por exemplo: estamos vendo que nos últimos anos a Petrobras deu muito dinheiro para ONGs ligadas ao PT, especialmente na Bahia, onde o Sérgio Gabrielli (ex-presidente da petrolífera) vai ser candidato a governador em 2014”, acrescentou. Em 2009 a estatal chegou a ser alvo de uma CPI por suspeita de irregularidades em patrocínios.
Quando o assunto é salário, as opiniões se dividem. Uns defendem o sigilo para evitar o assédio das empresas privadas sobre profissionais super-qualificados do setor público. Outros acreditam que, por ser uma remuneração paga com dinheiro do contribuinte, deveria ser divulgada.
“O grande problema são os casos intermediários. Mas uma coisa é certa: todos que recebem recursos têm de dar alguma satisfação de como são gastos”, afirmou o conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Carlos Eduardo Lessa Brandão. Ele garante que o acesso à informação nem sempre significa desvantagem competitiva para a empresa. “Um dos princípios básico da boa governança é a transparência, mas é um ponto que continua sempre controverso: encontrar o nível de transparência adequado”, acrescentou.
Barreiras – Um teste feito pela ONG Contas Abertas mostrou que as estatais estão longe de chegar ao nível adequado de transparência. Como consequência, o cidadão que buscar informações nessas empresas encontrará barreiras como demora no atendimento da solicitação e respostas imprecisas.
O Contas Abertas solicitou informações sobre a execução do Programa de Dispêndios Globais (PDG) e sobre os valores aplicados em projetos desportivos a oito estatais: Banco do Brasil, Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Caixa Econômica Federal, Casa da Moeda, Correios, Eletrobras, Infraero e Petrobras.
O PDG é um conjunto de informações econômico-financeiras que representam o volume de recursos e dispêndios a cargo das estatais. A Petrobras pediu prorrogação do prazo, alegando grande volume de pedidos de informação. A Eletrobras indicou dois links em seu site que não funcionavam. A Infraero solicitou que o pedido fosse encaminhado para o Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST).
Sobre os patrocínios esportivos, responderam satisfatoriamente os Correios, a Casa da Moeda, o BNDES, a Infraero e a Caixa Econômica. A Eletrobras encaminhou link de seu site que não continha a resposta solicitada. Foi preciso novo contato para ter a resposta correta. O Banco do Brasil também indicou link em seu site onde não se encontrava a informação e a Petrobras pediu prorrogação de 10 dias para responder, conforme permite a lei.
A reportagem do site de VEJA também encaminhou perguntas sobre os tipos de informação que seriam divulgadas dentro da Lei de Acesso à Informação a três estatais: Petrobras, Eletrobras e Caixa Econômica. As duas últimas enviaram respostas com a indicação de locais em seus sites onde localizar os dados solicitados, mas nem sempre foi fácil chegar à informação. A Eletrobras afirmou ter no seu site as informações sobre salários de funcionários, mas o link indicado levava a uma lista de arquivos PDF com atas da empresa onde o solicitante teria que buscar por si mesmo a informação desejada – contrariando a determinação da Lei de Acesso à Informação de oferta dos dados de maneira clara e acessível. A Petrobras não enviou nenhuma resposta aos questionamentos da reportagem.
Cida Alves - VEJA
11 de junho de 2012
Estatais argumentam que, em um mercado competitivo, precisam se proteger (Thinkstock)
Obviamente, faz todo sentido proteger dados relacionados diretamente com a atividade fim de empresas públicas e mistas, onde muitos cidadãos investem seu dinheiro por meio da compra de ações, com o objetivo de evitar o comprometimento de seu desempenho diante da concorrência.
O problema é que as estatais quiseram se livrar da responsabilidade pela transparência no atacado, conseguindo que o texto da lei deixe uma margem de manobra que permitiria o uso da justificativa do interesse econômico para negar informações, por exemplo, de interesse político.
“O decreto que regulamenta a lei foi muito mal redigido, acho até que propositalmente. Acredito que houve pressão das próprias estatais e, pelo conhecimento que tenho do assunto, a Advocacia Geral da União (AGU) também agiu nesse sentido, para se posicionar melhor perante eventuais litígios no futuro”, afirma Fabiano Angélico, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas especialista em transparência pública..
A redação da lei 12.527, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em novembro do ano passado, deixava claro que todos os órgãos públicos, incluindo as estatais, teriam de abrir suas informações para o cidadão. No dia seguinte a entrada em vigor da lei, em 16 de maio, um decreto regulamentador restringiu a divulgação de dados das empresas públicas em regime de concorrência – como a Petrobras, Eletrobrás e Banco do Brasil –, às normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que já acontecia antes da lei. Ou seja, na prática, nada mudou para essas empresas com a Lei de Acesso à Informação.
Leia também:
Falta de regulamentação pode atrasar eficácia da Lei de Acesso à Informação
CGU: "No início, não haverá a agilidade desejada"
Para completar, uma portaria do Ministério do Planejamento, publicada em maio, que determinava a divulgação dos salários de servidores de órgãos e empresas públicas federais deixou de fora as estatais em regime de concorrência e liberou as demais de publicarem a informação no Portal da Transparência do governo federal. “As estatais foram saindo de fininho. A lei as englobou. O decreto já mencionou as normas da CVM. E a portaria sobre os salários também as excluiu. Aliás, atribui-se a demora na publicação do decreto à pressão das estatais junto à Casa Civil”, afirma o economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco.
A própria Controladoria-Geral da União (CGU) admite que os pedidos de informação às estatais dentro da nova lei serão avaliados caso a caso pelas próprias empresas. “O conceito de ‘informação estratégica’ deverá ser estabelecido no caso concreto, levando-se em consideração o princípio da não divulgação das informações que possam acarretar prejuízos à competividade, à governança corporativa e, quando houver, aos interesses dos acionistas minoritários”, informou a CGU por meio de nota. Segundo a controladoria, não é possível determinar a priori as informações que são consideradas estratégicas, e ressalta que “se uma estatal invocar o sigilo comercial, por exemplo, para negar acesso a uma informação, ela terá de fazê-lo de modo fundamentado, e estará sujeita aos mecanismos de revisão da negativa ou da classificação da informação”. Se o requerente quiser realmente levar até o fim o pedido de informação, é preciso paciência. Se tiver que passar por todas as instâncias, o recurso pode levar mais de quatro meses.
“Infelizmente, a lei como está hoje, não fará muita diferença na transparência das sociedades de economia mista. Essas empresas estão sujeitas à regulamentação da CVM, que não é muito rigorosa nesse respeito. Na prática, as estatais vão divulgar o que quiserem”, explicou o consultor em Direito Público Manoel Joaquim Reis Filho. Diante das negativas das empresas, muitos solicitantes podem procurar a Justiça para ter acesso às informações.
Todas as regulamentações que acabaram por praticamente excluir as estatais da Lei são frutos da gestão direta junto à Casa Civil da Presidência da República. A Caixa Econômica Federal admitiu, em nota ao Site de VEJA, ter mantido reuniões com autoridades sobre o assunto. "Assim como outras instituições envolvidas, em reuniões com as esferas do governo que trataram da implementação da Lei de Acesso à Informação, a CAIXA também demonstrou suas especificidades como empresa pública que atua em regime de concorrência", diz a nota, que afirma que a CEF "se propõe a seguir as diretrizes estabelecidas pela LAI, contudo sem expor a sua estratégia de negócios".
Classificação – Especialistas apontam dados técnicos relacionados à atividade produtiva da empresa, informações sobre licitações, pesquisas, novas tecnologias e segredos industriais como exemplos de dados que podem ser classificados como estratégicos e que devem ser protegidos. Porém, questionam a falta de obrigatoriedade na divulgação de informações como patrocínios, doações, relatórios de viagens e detalhes de contratos.
“Esse tipo de informação é estratégica politicamente, não em termos de concorrência”, explica o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília, David Fleischer. “Por exemplo: estamos vendo que nos últimos anos a Petrobras deu muito dinheiro para ONGs ligadas ao PT, especialmente na Bahia, onde o Sérgio Gabrielli (ex-presidente da petrolífera) vai ser candidato a governador em 2014”, acrescentou. Em 2009 a estatal chegou a ser alvo de uma CPI por suspeita de irregularidades em patrocínios.
Quando o assunto é salário, as opiniões se dividem. Uns defendem o sigilo para evitar o assédio das empresas privadas sobre profissionais super-qualificados do setor público. Outros acreditam que, por ser uma remuneração paga com dinheiro do contribuinte, deveria ser divulgada.
“O grande problema são os casos intermediários. Mas uma coisa é certa: todos que recebem recursos têm de dar alguma satisfação de como são gastos”, afirmou o conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Carlos Eduardo Lessa Brandão. Ele garante que o acesso à informação nem sempre significa desvantagem competitiva para a empresa. “Um dos princípios básico da boa governança é a transparência, mas é um ponto que continua sempre controverso: encontrar o nível de transparência adequado”, acrescentou.
Barreiras – Um teste feito pela ONG Contas Abertas mostrou que as estatais estão longe de chegar ao nível adequado de transparência. Como consequência, o cidadão que buscar informações nessas empresas encontrará barreiras como demora no atendimento da solicitação e respostas imprecisas.
O Contas Abertas solicitou informações sobre a execução do Programa de Dispêndios Globais (PDG) e sobre os valores aplicados em projetos desportivos a oito estatais: Banco do Brasil, Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Caixa Econômica Federal, Casa da Moeda, Correios, Eletrobras, Infraero e Petrobras.
O PDG é um conjunto de informações econômico-financeiras que representam o volume de recursos e dispêndios a cargo das estatais. A Petrobras pediu prorrogação do prazo, alegando grande volume de pedidos de informação. A Eletrobras indicou dois links em seu site que não funcionavam. A Infraero solicitou que o pedido fosse encaminhado para o Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST).
Sobre os patrocínios esportivos, responderam satisfatoriamente os Correios, a Casa da Moeda, o BNDES, a Infraero e a Caixa Econômica. A Eletrobras encaminhou link de seu site que não continha a resposta solicitada. Foi preciso novo contato para ter a resposta correta. O Banco do Brasil também indicou link em seu site onde não se encontrava a informação e a Petrobras pediu prorrogação de 10 dias para responder, conforme permite a lei.
A reportagem do site de VEJA também encaminhou perguntas sobre os tipos de informação que seriam divulgadas dentro da Lei de Acesso à Informação a três estatais: Petrobras, Eletrobras e Caixa Econômica. As duas últimas enviaram respostas com a indicação de locais em seus sites onde localizar os dados solicitados, mas nem sempre foi fácil chegar à informação. A Eletrobras afirmou ter no seu site as informações sobre salários de funcionários, mas o link indicado levava a uma lista de arquivos PDF com atas da empresa onde o solicitante teria que buscar por si mesmo a informação desejada – contrariando a determinação da Lei de Acesso à Informação de oferta dos dados de maneira clara e acessível. A Petrobras não enviou nenhuma resposta aos questionamentos da reportagem.
Cida Alves - VEJA
11 de junho de 2012
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