"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 27 de junho de 2012

LULA SEM VERGONHA E HADDAD FELIZ COM UMMALUF COMUNISTA: "MEU GOVERNO SERÁ DE ESQUERDA..."


A quizumba da semana passada foi o apoio de Paulo Maluf à chapa de Fernando Haddad na disputa pela prefeitura paulistana. Além de um icônico aperto de mão entre Lula e Maluf, com Haddad ao fundo, Luiza Erundina (PSB-SP) não agüentou a… pressão da presença de Maluf e picou a mula.
Resta agora o desculpeiro para os petistas que, por alguma razão, acharam estranho. Lula, sempre falador, desde uma certa conversa com Gilmar Mendes virou outra pessoa: um homem de poucas palavras, direto e reto, preto no branco, que resolve tudo no sim ou não. Ao ser perguntado se estava arrependido da foto sorridente ao lado do velho inimigo mortal Maluf, Lula limitou-se a dizer: ”Não, nem um pouco.” (no Estadão)


Bem humorado, apesar do completo abandono do modo falador, Lula afirmou que o discurso tucano sobre eficiência vai favorecer seu candidato Haddad: ”Vamos ter de enfrentar nossos adversários, que são os tucanos. Estou vendo nosso adversário dizer que a competência vai vencer o novo, portanto, meu filho (Haddad), você já ganhou, porque competência ali não tem nada”, provocou.
Esse já é um revival do Lula bravateiro: Haddad só é um nome conhecido das pessoas que acompanham política nos jornais, e apenas pelo malfadado kit gay e pelos desastres seguidos com o ENEM. Mais nada.

Fato é: nós adoramos sacanear o Maluf. Mas diga uma coisa boa sobre o Haddad. Qualquer uma.

Segundo Lula, as pesquisas já indicam que a campanha tucana “está patinando”: “Acho que jogaram óleo na pista de patim dele”, alfinetou. Novamente uma curiosa constatação de quem até há pouco estava com 3% de votos, com margem de erro de 2% (tecnicamente empatado com o cara do aerotrem). Há um risco para os tucanos e demais adversários do PT de patinarem de vez e só ficarem com 20% a mais de intenção do que Haddad.

Mas Lula está pronto para a briga e, na falta de carisma (ou competência, ou, sei lá, qualquer coisa de Haddad), fará por ele campanha nas ruas e na TV. “Se for necessário, vou morder a canela dos adversários”, disse. A julgar pelo índice atual de intenção do candidato petista, a altura da metáfora é bastante apropriada.

Lula destacou a lealdade do PCdoB para com ele nos últimos anos (não que o PCdoB sirva pra outra coisa, óbvio) e disse que o apoio do vereador Netinho de Paula pode ajudar Haddad a atingir os “rincões da periferia”. “Acho que o Netinho pode nos ajudar a chegar no povo do gueto”, aposta. Um fato curioso é o PT conseguir apoio do Maluf antes de conseguir os comunistas da velha guarda do PCdoB. O diagnóstico não soa muito animador, mas claro que tudo pode mudar até outubro.

A seu turno, Haddad aproveitou a divulgação de uma entrevista de 2011 em que Maluf comenta a gestão federal petista: “Perto do que os petistas ajudaram os banqueiros nesse país, eu, o industrial Paulo Maluf, me sinto comunista” (grifo na fala do original). Haddad afirmou (do UOL): “Estou feliz que Maluf se declare comunista, pois meu governo será de esquerda”.

Assim como tentou confundir Erundina um dia antes de selar o pacto com Maluf, Haddad agora se aproveita da metáfora malufista para ficar só com os significantes, desprovidos de significados: desconta a queixa à aproximação doidivanas do governo petista federal com banqueiros e fica apenas com a palavrinha agradável (bem, agradável pelo menos a alguém capaz de escrever uma dissertação de mestrado sobre o regime econômico e social da União Soviética um ano antes de ela ruir de vez). É a volta da ideologia na discussão eleitoral. Mesmo sem que um PCdoB da vida tenha a desculpa de que não sabia de nada sobre entrar numa chapa apoiada por Maluf. Diz o UOL:
Haddad participou na manhã de hoje de uma reunião em que são discutidos projetos arquitetônicos e museológico do futuro Memorial da Democracia, vinculado ao Instituto Lula. Haddad afirmou que não acredita em eventual uso político do Memorial da Democracia durante a campanha eleitoral:  
“Houve consenso na Câmara de Vereadores sobre isso”, declarou o pré-candidato, referindo-se à doação de um terreno avaliado em cerca de R$ 20 milhões, na região central, repassado pela prefeitura ao Instituto Lula. Sobre a definição do vice em sua chapa, o pré-candidato desconversou: a informação só será dada amanhã.
A quem interessar possa, se nada mais der certo, ainda dá tempo de tentar ser vice do Haddad.

27 de junho de 2012
Flavio Morgenstern é redator, tradutor e analista de mídia. Acha que o Haddad já conseguiu o seu Dia de Princesa mesmo sem apoio do Netinho.

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