"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 12 de junho de 2012

TOQUE DE RECOLHER

Há convocações e convocações. Na história recente do Brasil a oposição ao regime militar levou às ruas milhares para pedir da "anistia ampla, geral e irrestrita" e reuniu milhões para exigir eleições "Diretas-Já".

Anos depois um presidente acuado por denúncias de corrupção foi à TV conclamar o povo a sair "vestido de verde-amarelo" em sua defesa e o que viu nos dias seguintes foi surgir uma mobilização de gente vestida de preto a pedir a interrupção de seu mandato.

Qual a diferença entre as duas situações? Em essência, a natureza da causa.
Inevitável pensar nesses dois acontecimentos quando se vê o principal réu do processo do mensalão, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, a conclamar estudantes e movimentos sociais a se mobilizar contra não se sabe exatamente o quê.

Dirceu não é específico. Pelo tom, pretende que as pessoas se mobilizem para pressionar o Supremo Tribunal Federal a inocentá-lo: "Todos sabem que esse julgamento é político, essa é uma batalha a ser travada nas ruas senão a gente vai ouvir uma só voz, pedindo a condenação sem provas. É a voz do monopólio da mídia".

Pelo texto do discurso dirigido à União da Juventude Socialista reunida em seu 16.º congresso, José Dirceu gostaria que seus defensores ficassem "vigilantes" para não permitir "um julgamento fora dos autos". Para garantir que a "Justiça cumpra o seu papel" e impedir que o processo se transforme "no julgamento de nossa geração".
Qual geração? A dele, a dos jovens estudantes ou dos dirigentes dos movimentos sociais? Primeira dúvida.

Segunda: o que significa ficar "vigilante"? Vigiar os juízes, montar vigílias nas praças? Terceira dúvida: de que maneira estudantes e movimentos sociais garantem um "julgamento nos autos", dando lições de direito constitucional e penal aos magistrados?
Quarta e última dúvida: em que momento Dirceu ouviu "a voz do monopólio da mídia" defendendo a condenação?

Como não apontou casos específicos, cabe a pergunta genérica, pois no geral o que se tem visto e ouvido é a defesa do julgamento ao tempo próprio. Seis anos depois de oferecida a denúncia.
José Dirceu pode dizer o que quiser e, dentro das balizas legais, fazer o que bem entender em sua defesa. Só não pode pretender fazê-lo sem contraditório.
Pode até mesmo acreditar que as massas tomem as ruas em prol de sua absolvição, embora pareça inútil, pois as massas andam amorfas.

12 de junho de 2012
Dora Kramer, O Estado de São Paulo

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