Toda vez que prendem alguém em um filme americano o policial diz: “Você tem o direito de ficar calado, caso decida falar, tudo o que disser poderá ser usado contra você”! Isso vale no Brasil? Por que eles sempre dizem isso? Quando, como e em que extensão?
Primeiro, o porquê: isso acontece por causa do chamado “Miranda Warning”. Ernesto Arturo Miranda foi preso nos anos 60 acusado de ter raptado e estuprado uma mulher de 18 anos, crime que teria ocorrido 10 anos antes. Duas horas depois de preso, Miranda assinara uma confissão, onde dizia que cometera o crime e que o confessava tendo consciência dos seus direitos e de que aquela confissão poderia ser usada contra ele.
Com base nessa confissão, Miranda foi condenado a 20 anos pelo rapto e 30 pelo estupro. O advogado (um advogado público, pois Miranda não tinha condições de contratar um particular) recorreu dizendo que Miranda não conhecia seus direitos, especialmente os de contar com um advogado e de permanecer calado. O tribunal do Arizona manteve a condenação. O advogado recorreu então a Suprema Corte. O caso foi julgado por um dos mais brilhantes Juízes da história daquela casa: Earl Warren.
Warren havia sido promotor e sabia como a coisa podia ser complicada em uma delegacia. Em um voto brilhante, que acabou vencedor, determinou que nenhuma confissão poderia ser levada em consideração sem que o preso fosse antes advertido do seu direito de permanecer calado e de que, caso falasse, isso poderia ser usado contra ele. Além disso, disse que deveria ser esclarecido ao preso que ele tinha o direito de contar com um advogado. Essa decisão entrou para a história e criou a obrigação dos policiais falarem aquela frase famosa, pois assim garantem que o preso tenha sido avisado dos seus direitos e não colocam o interrogatório a perder.
No Brasil, a Constituição garante a todos o direito de permanecer calado no artigo 5o, inciso VXIII: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
Você pode estar pensando: mais um direito para bandidos! Não! Esse direito é para quem não é bandido. Qualquer pessoa que passou algumas horas sendo interrogado em uma delegacia sobre algo que não fez, apenas por estar no lugar errado na hora errada, ou ter feito o inimigo errado pode falar melhor sobre isso.
Conhecer os próprios direitos é essencial para que a pessoa honesta possa evitar ser acusada injustamente ou, caso cometa um erro, ser condenada a uma pena maior do que aquela que a lei determina. Além disso, pode ocorrer o caso em que você queira correr o risco de ir preso para defender uma idéia, ou uma posição, como o cidadão na foto que ilustra este post, que participava de um protesto contra as leis de imigração.
Lembrem-se que promotores, juízes e policiais são profissionais passíveis de erros e, hoje em dia, tão pressionados por metas de produtividade (ou mais) quanto você.
O direito a ficar calado é uma extensão do direito de não ser forçado a se auto incriminar. Ele é respeitado em todo o mundo civilizado e, no Brasil é interpretado de maneira especialmente ampla. Vou dar alguns exemplos que ajudam a entender o que você pode – e não pode – fazer e as consequências disso:
Testemunhas são obrigadas a depor não podem mentir, especialmente para prejudicar terceiros (é crime). Mas se uma testemunha perceber que com seu depoimento poderá se auto-incriminar, ela pode chamar um advogado e/ou exigir o direito de ficar calada (um exemplo é o que tem acontecido nas CPIs);
Se você for testemunha em um processo, lembre-se: não invente. Se não souber diga apenas: não sei.
O acusado pode mentir em seu depoimento para não se incriminar. Não pode, porém, mentir com a única intenção de incriminar terceiros, ou inocentar – será falso testemunho;
Testemunhas podem mentir – sem prejudicar terceiros – para evitar serem incriminadas;
A “Lei Seca” (11.705/08 ) determinou porcentagens exatas de álcool no sangue para que a embriaguez ao volante seja considerada crime. Como qualquer um pode se negar a produzir prova contra si próprio, uma vez que o acusado se negue a usar o bafômetro, ou realizar exame de sangue, não poderá ser condenado criminalmente (e claro, nem obrigado a fazer o exame);
Procurado pela polícia, um acusado pode mentir sobre a própria identidade, que isso não significará falsidade ideológica, mas apenas exercício regular do direito de não produzir provas contra si próprio;
Esse direito todavia não abrange o direito de alterar a cena do crime para dificultar a ação da polícia. A justiça tem entendido que isto é fraude processual.
Em qualquer caso em que sinta sua liberdade ameaçada, exija um advogado e não abra a boca sem a presença dele.”
(Transcrito da revista Exame, enviado
pelo comntarista José Guilherme Schossland)
08 de junho de 2012
Elder de Faria Braga.
Primeiro, o porquê: isso acontece por causa do chamado “Miranda Warning”. Ernesto Arturo Miranda foi preso nos anos 60 acusado de ter raptado e estuprado uma mulher de 18 anos, crime que teria ocorrido 10 anos antes. Duas horas depois de preso, Miranda assinara uma confissão, onde dizia que cometera o crime e que o confessava tendo consciência dos seus direitos e de que aquela confissão poderia ser usada contra ele.
Com base nessa confissão, Miranda foi condenado a 20 anos pelo rapto e 30 pelo estupro. O advogado (um advogado público, pois Miranda não tinha condições de contratar um particular) recorreu dizendo que Miranda não conhecia seus direitos, especialmente os de contar com um advogado e de permanecer calado. O tribunal do Arizona manteve a condenação. O advogado recorreu então a Suprema Corte. O caso foi julgado por um dos mais brilhantes Juízes da história daquela casa: Earl Warren.
Warren havia sido promotor e sabia como a coisa podia ser complicada em uma delegacia. Em um voto brilhante, que acabou vencedor, determinou que nenhuma confissão poderia ser levada em consideração sem que o preso fosse antes advertido do seu direito de permanecer calado e de que, caso falasse, isso poderia ser usado contra ele. Além disso, disse que deveria ser esclarecido ao preso que ele tinha o direito de contar com um advogado. Essa decisão entrou para a história e criou a obrigação dos policiais falarem aquela frase famosa, pois assim garantem que o preso tenha sido avisado dos seus direitos e não colocam o interrogatório a perder.
No Brasil, a Constituição garante a todos o direito de permanecer calado no artigo 5o, inciso VXIII: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
Você pode estar pensando: mais um direito para bandidos! Não! Esse direito é para quem não é bandido. Qualquer pessoa que passou algumas horas sendo interrogado em uma delegacia sobre algo que não fez, apenas por estar no lugar errado na hora errada, ou ter feito o inimigo errado pode falar melhor sobre isso.
Conhecer os próprios direitos é essencial para que a pessoa honesta possa evitar ser acusada injustamente ou, caso cometa um erro, ser condenada a uma pena maior do que aquela que a lei determina. Além disso, pode ocorrer o caso em que você queira correr o risco de ir preso para defender uma idéia, ou uma posição, como o cidadão na foto que ilustra este post, que participava de um protesto contra as leis de imigração.
Lembrem-se que promotores, juízes e policiais são profissionais passíveis de erros e, hoje em dia, tão pressionados por metas de produtividade (ou mais) quanto você.
O direito a ficar calado é uma extensão do direito de não ser forçado a se auto incriminar. Ele é respeitado em todo o mundo civilizado e, no Brasil é interpretado de maneira especialmente ampla. Vou dar alguns exemplos que ajudam a entender o que você pode – e não pode – fazer e as consequências disso:
Testemunhas são obrigadas a depor não podem mentir, especialmente para prejudicar terceiros (é crime). Mas se uma testemunha perceber que com seu depoimento poderá se auto-incriminar, ela pode chamar um advogado e/ou exigir o direito de ficar calada (um exemplo é o que tem acontecido nas CPIs);
Se você for testemunha em um processo, lembre-se: não invente. Se não souber diga apenas: não sei.
O acusado pode mentir em seu depoimento para não se incriminar. Não pode, porém, mentir com a única intenção de incriminar terceiros, ou inocentar – será falso testemunho;
Testemunhas podem mentir – sem prejudicar terceiros – para evitar serem incriminadas;
A “Lei Seca” (11.705/08 ) determinou porcentagens exatas de álcool no sangue para que a embriaguez ao volante seja considerada crime. Como qualquer um pode se negar a produzir prova contra si próprio, uma vez que o acusado se negue a usar o bafômetro, ou realizar exame de sangue, não poderá ser condenado criminalmente (e claro, nem obrigado a fazer o exame);
Procurado pela polícia, um acusado pode mentir sobre a própria identidade, que isso não significará falsidade ideológica, mas apenas exercício regular do direito de não produzir provas contra si próprio;
Esse direito todavia não abrange o direito de alterar a cena do crime para dificultar a ação da polícia. A justiça tem entendido que isto é fraude processual.
Em qualquer caso em que sinta sua liberdade ameaçada, exija um advogado e não abra a boca sem a presença dele.”
(Transcrito da revista Exame, enviado
pelo comntarista José Guilherme Schossland)
08 de junho de 2012
Elder de Faria Braga.
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