"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 29 de julho de 2012

13 DE DEZEMBRO, O DIA DO AI-5 ( 4 )

PARTE 4

Os trechos mais fortes do Ato Institucional no 5

Uma seleção do que valeu no Brasil entre 13 de dezembro de 1968 e 31 de dezembro de 1978

Art. 2o - O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por ato complementar, em estado de sítio ou fora dele...

Art. 3o - O presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição.

Art. 5o - A suspensão dos direitos políticos, com base neste ato, importa simultaneamente em:

I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III - proibição de atividades ou manifestações sobre assunto de natureza política;

IV - aplicação, quando necessário, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados lugares;

c) domicílio determinado.

Art. 6o - O presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo...

Art. 10o - Fica suspensa a garantia de habeas-corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social.

A carta inacabada de Passarinho

Minha mulher,

Meu filho Júnior 13 dez. 1968

"Estou sentado à mesa do Conselho de Segurança decidindo o presente e o futuro imediato do Brasil.

Vocês sempre me viram defender a liberdade e a democracia. Hoje, pode parecer a ambos que estou passando à História brasileira como um liberticida, apoiando poderes ditatoriais conferidos, neste instante, ao senhor presidente da República.

Vou referendar o novo ato institucional. No meu entender, isso equivale a uma ditadura, ao menos em potencial.

Felizmente, o fiador de tudo será o marechal Costa e Silva, que não usará abusivamente dos poderes que lhe damos neste momento. Deus assim o permitirá.

Por outro lado, não são os artigos de uma Constituição que garantem uma democracia. Na Rússia, o direito ao livre expressar do pensamento é letra da Constituição. No entanto, é letra morta. De que vale..."

O que se disse no palácio

Quantas vezes foram citadas algumas palavras na reunião do conselho

Revolução (de 1964) - 47

Ordem - 36

Subversão - 13

Ditadura - 13

Estado de sítio - 13

Repressão - 6

Democracia - 6

Contra-revolução - 6

Desagregação - 3

Moral - 3

Liberdade - 3

Desordem - 2

Escrúpulo(s) - 2

Caos - 1

Corrupção - 1

Censura - 0

Tortura - 0

Quatro anos de confronto

A escalada política de 1964 a 1968

1964

31 de março

A revolução depõe João Goulart. Castello Branco é o primeiro presidente do regime militar.

1966

25 de junho

Três atentados são cometidos pela direita em Pernambuco. Um dos alvos é o Aeroporto dos Guararapes.

19 de novembro

Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda lançam a Declaração de Lisboa, o primeiro manifesto da Frente Ampla, de oposição ao governo.

1967

15 de março

Arthur da Costa e Silva é empossado na Presidência da República. Seu vice é o deputado Pedro Aleixo.

24 de setembro

Carlos Lacerda e João Goulart assinam o Acordo de Montevidéu, que defendia a volta do país ao regime democrático.

1968

28 de março

O estudante Edson Luis é morto no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro.

21 de junho

Quatro mortos, 58 feridos e mil presos numa manifestação estudantil, no centro do Rio. É a sexta-feira sangrenta.

26 de junho

Passeata dos 100 mil, no Rio.

29 de agosto

A polícia invade a Universidade de Brasília.

2 de setembro

O deputado Márcio Moreira Alves faz um discurso criticando a invasão da UnB. O governo usaria esse pronunciamento como pretexto para o AI-5.

3 de outubro

Um estudante morre no confronto entre a direita do Mackenzie e a esquerda da Faculdade de Filosofia, em São Paulo.

12 de outubro

Cai o Congresso da UNE, em Ibiúna.

Charles Chandler, capitão americano, acusado de pertencer à CIA, é assassinado numa ação da VPR.

12 de dezembro

Por 216 votos contra 141, a Câmara rejeita o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves.

13 de dezembro

AI-5

"Eu vi gente torturada"

Um depoimento exclusivo do presidente Fernando Henrique sobre o AI-5

No dia 13 de dezembro de 1968, eu estava em São Paulo quando ouvi, pelo rádio, a voz desagradável do ministro da Justiça, Gama e Silva, que havia sido meu colega no Conselho Universitário da USP, a ler os artigos do Ato Institucional no 5. Ele lia esbravejando e isso me dava uma reação muito estranha porque eu o conhecera bem. Nunca o tive como um bravo.

Daí por diante, foi uma noite escura. Foi uma noite escura porque houve repressão, censura e violências de todo tipo, o que gerou o terrorismo e uma série de movimentos que tinham o objetivo de mudar o regime autoritário mas que acabaram contribuindo, de alguma maneira, para o contrário e foram esmagados violentamente, também por tortura e morte.

Antes disso, eu estava na França. Voltei ao Brasil em outubro de 1968 para concorrer à cátedra na Universidade de São Paulo. Concorri à cátedra de Ciência Política e ganhei. Mas, quando ouvi o AI-5 sendo lido, imaginei logo que minha duração na USP seria curta. Efetivamente, em abril de 1969, esse mesmo AI-5 fundamentou um ato que me aposentou compulsoriamente, afastando-me da USP. Se fosse para levar ao pé da letra o AI-5, eu fiquei proibido até de exercer certo tipo de atividade, como a pesquisa.

Não obstante, nós montamos um centro de pesquisa, que foi o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), e procuramos resistir com dignidade, mantendo nosso pensamento altivo embora não na ação política direta, a não ser mais tarde, quando passamos a apoiar o MDB e os movimentos democráticos em geral, como o movimento pela anistia. Ainda assim, como conseqüência do AI-5, em 1975, eu e meus companheiros do Cebrap fomos levados à chamada Oban (Operação Bandeirantes), um órgão de repressão onde havia tortura, e eu vi gente torturada. Embora isso não tivesse ocorrido comigo, aconteceu com alguns companheiros de trabalho que tinham, como único pecado, o fato de ter a cabeça livre. Eles não estavam de forma alguma metidos em organizações clandestinas ou terroristas. Mas, naquele tempo, tudo era confundido. O que era uma ação mais crítica era confundido com uma ação subversiva. Por sorte, o Brasil foi capaz de superar, embora lentamente, esses anos de chumbo. Hoje, o AI-5 é apenas uma memória negativa de um momento triste da História do Brasil.

29 de julho de 2012

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