O HOTEL DE JK
Na fronteira de Goiás com Mato Grosso, entre o gordo rio Araguaia e o magrinho Javaé, há uma ilha muito comprida e toda verde, selvagem paraíso tropical de caça e pesca: Ilha do Bananal. Seu nome lembra outro que virou sinônimo da arrancada nacional para a integração dos infinitos planaltos além de Brasília: JK.
Foi Juscelino quem fez da Ilha de Bananal um posto avançado da conquista do Oeste. Lá, na pequena vila de Santa Isabel do Morro, a FAB plantou um posto com aeroporto. E lá construiu um modesto hotel de dois pisos: Hotel Juscelino Kubitschek, Hotel JK.
Até que um dia os homens que deram o golpe de 1964 e tomaram o poder em toda a Nação também tomaram o poder na meiga Santa Isabel do Morro e decidiram apagar da história nacional aquele nome que lhes comia os preconceitos e as cívicas frustrações. E determinaram que o branco hotelzinho da vila de Santa Isabel do Morro não mais se chamaria Hotel JK
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SNI
Mas e os pratos, as xícaras, os garfos, as facas, os copos, as toalhas, o que fazer deles, se todos estavam marcados pelas duas letras proibidas: JK? Quebrar tudo? Como justificar? E, pior, como substituir? O SNI decidiu:
- Não é JK? Então o hotel chamar-se-á Hotel John Kennedy.
E assim foi americanalhadamente feito. E na Ilha do Bananal, bem em frente à cidade de São Félix do Araguaia, onde o santo e sábio dom Pedro Casaldáliga, bispo e poeta, tanto cuidou das ovelhas de Deus e dos versos de seus poemas, o hotelzinho branco continuou com o nome de um presidente dos outros (e logo dos Estados Unidos) porque eles, os homens da ditadura, não consentiram que tivesse o do maior dos nossos.
Na vila de Santa Isabel do Morro, da Ilha do Bananal, JK não é Juscelino Kubitschek. É John Kennedy. Cada poder tem o JK que merece.
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CASTELO
No fim de maio de 64, José Maria Alkmin, vice-presidente de Castelo Branco, telefonou de Brasília para o deputado Renato Archer, do PSD do Maranhão, que morava no Rio, coordenador da campanha“JK-65”:
- Renato, estou indo hoje à noite para a Europa, levando um filho doente. Espere-me na base aérea do Galeão, para almoçarmos, porque vou para o Rio agora, na carona do Viscount do presidente Castelo Branco.
Renato Archer chamou o deputado Joaquim Ramos, do PSD de Santa Catarina, e foram esperar Alkmin em um fusquinha azul. Castelo desceu, entrou no carro preto presidencial, com o chefe da Casa Militar, general Ernesto Geisel, e foi para o Palácio das Laranjeiras.
Alkmin, Archer e Ramos foram almoçar no discreto e até hoje ótimo restaurante “Mosteiro”, no centro do Rio. Alkmin estava nervoso, transtornado. E contou que ia “acontecer uma desgraça”.
Mal o avião decolara de Brasília, Castelo o tinha chamado:
- Dr. Alkmin, em que pesem meus compromissos assumidos com o presidente Juscelino Kubitschek, e embora sabendo que vou arrostar o julgamento da história, decidi cassar Juscelino para impedir que o País caia nas mãos de quem não quero que caia.
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LACERDA
Alkmin ouviu calado, nada disse. O general Geisel aproximou-se:
- Dr. Alkmin, o presidente está convencido de que, se não cassar o presidente Kubitschek, será derrubado pelo ministro Costa e Silva. E por isso vai cassar. Dou-lhe, porém, minha palavra de honra de que essa cassação em nada aproveitará ao governador Carlos Lacerda.
Alkmin viajou naquela noite com o filho, para Estocolmo, onde, no dia 8 de junho de 64, recebeu a notícia da cassação de Juscelino. Na mesma noite da viagem de Alkmin, Renato Archer havia contado tudo a Juscelino.
Três anos depois, em 15 de março de 67, após a múltipla traição de Castelo prorrogando seu mandato, o Brasil desabou nas mãos de Costa e Silva, com a faixa presidencial passada por Castelo.
E Carlos Lacerda morreu dez anos depois, em 21 de maio de 1977, informado por Renato Archer de que, desde o fim de maio de 1964, Castelo e o grupo palaciano já haviam rifado seu sonho de chegar à Presidência da República.
(Quarta-feira, Juscelino fez 110 anos. O JK que está em Brasília, de pé diante da Nação e da Historia, a mão estendida para o futuro e o infinito, não é John Kennedy, é ele, o maior de todos os presidentes.
14 de setembro de 2012
Sebastião Nery
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