"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 8 de setembro de 2012

NOVOS TENTÁCULOS DO PODER POLÍTICO

 

 “Como fiscalizar as ONGs? Houve problemas, ninguém nega. E quem tiver cometido erro tem que pagar”.
Quando Aldo Rebelo, escolhido para substituir Orlando Silva no Ministério dos Esportes, fez essa declaração, um ano atrás, ficou claro, no conjunto da entrevista que concedeu, que responsabilizar as ONGs foi um modo de livrar a cara do camarada antecessor.



Eu entendi a manifestação como exercício de um dever de solidariedade. A culpa era só dessas organizações e da dificuldade de as fiscalizar. Foi na mesma linha que entendi o novo ministro quando, em outras entrevistas, disse que não pretendia prosseguir com tal prática. Ele não mais se valeria de instituições que não tinha como fiscalizar e passaria a destinar os recursos da pasta para estados e municípios.

Passado menos de um mês, ficava-se sabendo que Aldo Rebelo cancelara convênios com 50 ONGs. Mas se era possível cancelar assim, por que, raios, esses convênios existiam? Por outro lado, deduz-se que das organizações que mantinham convênio com o ministério, malgrado a decisão de trabalhar com nenhuma, remanesceram 250 (!) em atuação (segundo o noticiário, em 2011 cerca de três centenas de ONGs operavam nos programas de esporte do governo).

Aliás, quando fiquei sabendo desse número, para todos surpreendente, pus-me a indagar o seguinte: se em torno do PCdoB, um partido pequenininho, numa pasta também periférica, orbitavam três centenas de ONGs, quantas não agiriam no complexo universo comandando pelo PT e PMDB, os dois gigantes do governo federal? Pois é.

A resposta, colhida na mídia, chega a quase uma dezena de milhar. É toda uma rede, financeira e politicamente subordinada, envolvendo um contingente humano que pode alcançar um milhão de pessoas se considerarmos todos os dirigentes, servidores assalariados e voluntários.

Trata-se de uma nova máquina que se agrega ao gigantismo do poder central, estatal, e que tantas vezes – sabe-se agora – está incorporada aos vetores da corrupção por ele polarizada.

Com enorme surpresa já ouvi de alguém: “Eu tenho uma ONG”. E com surpresa ainda maior, já li, várias vezes: “Fulano de tal, dono de uma rede de ONGs…”.
Que tal? Donos de ONGs? Só podia dar no que deu. Entende-se, então, o motivo pelo qual a CPI das ONGs, nascida em 2006, morreu de inanição, quatro anos mais tarde, sob total desinteresse da maioria governista.

Na nota oficial em que fez o necrológico da finada CPI, a Associação Brasileira de ONGs falou em “criminalização dos movimentos sociais” e em “setores conservadores”. Quem conhece o idioma da esquerda sabe que tal vocabulário não deixa dúvidas quanto à devoção filial dessa instituição a padrinhos bem conhecidos, com acesso à grana dos esfolados contribuintes.

Ressalve-se que organizações dessa natureza compõem uma estrutura admirável se usadas para o bem. Mas como são terríveis, sob o ponto de vista moral e institucional, se convertidas em tentáculos do poder político! Nos negócios em que então se envolvem elas não ofendem apenas as leis penais. Elas atacam a própria democracia.

Muito tenho escrito, aliás, contra a centralização em nosso país. Ela se dá ao arrepio da forma federativa, que aponta para uma direção, enquanto a prática política, fiscal, legislativa e administrativa age no sentido inverso.

A isso se acrescenta agora, nestes anos de decadência moral das instituições, a vasta e multiforme rede de ONGs dependente dos favores e das vistas grossas de seus financiadores governamentais, conjugadas com subterrâneos canais de retorno das verbas recebidas.

A existência de uma rede não implica, necessariamente, descentralização. No caso, ocorre o contrário disso, seja pela dependência financeira que cria, seja pelas verbas que refluem, mediante artifícios contábeis, para os dutos da corrupção política.

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