Não é possível prever o desfecho do julgamento do mensalão, mas já é visível o esboço de um grande golpe dado com dinheiro público por interesses político-partidários
Passadas as primeiras sessões de julgamento do mensalão, ou da Ação Penal 470, é possível que as atenções para o plenário do Supremo Tribunal Federal tenham se reduzido. Mas é provável que o julgamento volte a conquistar audiência quando estiver na pauta a ação do “núcleo político” da “organização criminosa” denunciada pelo Ministério Público Federal, em que se destacam o ex-ministro José Dirceu, além de José Genoíno e Delúbio Soares, ex-presidente e ex-tesoureiro do PT.
Continua sendo um exercício arriscado prever o destino dos réus ainda não julgados, mas, vencidas as primeiras “fatias” do julgamento, se ainda é temerário arriscar profecias, pode-se, ao menos, identificar um esboço nítido de um caso de fato histórico em que a política e a criminalidade se deram as mãos como poucas vezes visto com tamanha nitidez.
Fora o destino do deputado João Paulo Cunha, de Marcos Valério e sócios, no caso dos R$ 50 mil pagos ao ex-presidente da Câmara — em que houve total divergência entre os ministros Ricardo Lewandowski, revisor do processo, e Dias Toffoli, convencidos da inocência dos acusados, e o resto da Corte, que os condenou —, não ocorreram até agora grandes discrepâncias nos veredictos.
A divergência é mais sutil, e só deve ser esclarecida, por maioria de votos, daqui para frente. Pelos votos dados e exposições feitas, Lewandowski e Toffoli parecem considerar estanques alguns dos grupos denunciados pelo MP. E também não se pode entender a concordância dos dois com condenações defendidas pelo relator, Joaquim Barbosa, como indício de que reconhecem a existência do mensalão.
Por esta visão, Henrique Pizzolato transferiu milhões do Banco do Brasil para Marcos Valério apenas em troca de propina. Houve, sim, fraude nos empréstimos liberados pelo Banco Rural a Marcos Valério — mas em troca da ação deste como lobista em Brasília. Esta interpretação dos fatos será discutida quando surgir de forma direta a tese de que todo aquele movimento de dinheiro sujo serviu “apenas” para abastecer caixa dois de partidos e políticos.
E não para a compra de apoio e votos no Congresso. Haja o que houver, o cenário que já emerge do julgamento não deixa bem grupos do PT e partidos aliados. Seja caixa dois ou mensalão, não importa, materializa-se no Pleno do STF um enorme golpe com desvio de dinheiro público e tráfico de influência por interesses político-partidários.
Explica-se o destempero do presidente do PT, Rui Falcão. Diante de um início de julgamento pouco promissor para mensaleiros do partido, o dirigente denunciou um risível “golpe” da “direita”, com a indefectível inclusão da “mídia conservadora”, do qual o STF seria “instrumento”. Além de ser um ataque demente a um tribunal que dá constantes demonstrações de seriedade e equilíbrio, o militante tenta ressuscitar uma desculpa hilariante. Se nunca foi levada a sério a tese do “golpe”, depois de iniciado o julgamento ela virou de vez piada de salão.
08 de setembro de 2012
Editorial d'O Globo
Continua sendo um exercício arriscado prever o destino dos réus ainda não julgados, mas, vencidas as primeiras “fatias” do julgamento, se ainda é temerário arriscar profecias, pode-se, ao menos, identificar um esboço nítido de um caso de fato histórico em que a política e a criminalidade se deram as mãos como poucas vezes visto com tamanha nitidez.
Fora o destino do deputado João Paulo Cunha, de Marcos Valério e sócios, no caso dos R$ 50 mil pagos ao ex-presidente da Câmara — em que houve total divergência entre os ministros Ricardo Lewandowski, revisor do processo, e Dias Toffoli, convencidos da inocência dos acusados, e o resto da Corte, que os condenou —, não ocorreram até agora grandes discrepâncias nos veredictos.
A divergência é mais sutil, e só deve ser esclarecida, por maioria de votos, daqui para frente. Pelos votos dados e exposições feitas, Lewandowski e Toffoli parecem considerar estanques alguns dos grupos denunciados pelo MP. E também não se pode entender a concordância dos dois com condenações defendidas pelo relator, Joaquim Barbosa, como indício de que reconhecem a existência do mensalão.
Por esta visão, Henrique Pizzolato transferiu milhões do Banco do Brasil para Marcos Valério apenas em troca de propina. Houve, sim, fraude nos empréstimos liberados pelo Banco Rural a Marcos Valério — mas em troca da ação deste como lobista em Brasília. Esta interpretação dos fatos será discutida quando surgir de forma direta a tese de que todo aquele movimento de dinheiro sujo serviu “apenas” para abastecer caixa dois de partidos e políticos.
E não para a compra de apoio e votos no Congresso. Haja o que houver, o cenário que já emerge do julgamento não deixa bem grupos do PT e partidos aliados. Seja caixa dois ou mensalão, não importa, materializa-se no Pleno do STF um enorme golpe com desvio de dinheiro público e tráfico de influência por interesses político-partidários.
Explica-se o destempero do presidente do PT, Rui Falcão. Diante de um início de julgamento pouco promissor para mensaleiros do partido, o dirigente denunciou um risível “golpe” da “direita”, com a indefectível inclusão da “mídia conservadora”, do qual o STF seria “instrumento”. Além de ser um ataque demente a um tribunal que dá constantes demonstrações de seriedade e equilíbrio, o militante tenta ressuscitar uma desculpa hilariante. Se nunca foi levada a sério a tese do “golpe”, depois de iniciado o julgamento ela virou de vez piada de salão.
08 de setembro de 2012
Editorial d'O Globo
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