O julgamento do mensalão está provocando na opinião pública um debate que até bem pouco não se considerava possível, dentro da tradição brasileira de leniência com a corrupção pública.É verdade que não houve mobilização para grandes manifestações nas ruas das principais capitais do país, e nem mesmo em Brasília houve a movimentação que se esperava, a ponto de o Supremo Tribunal Federal ter contratado segurança particular reforçada.
Mas também o mensalão não virou “piada de salão”, como está prestes a descobrir na própria pele o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que fez essa previsão anos atrás, quando se considerava inalcançável pela Justiça brasileira.
A repercussão de suas consequências já se faz sentir tanto nas redes sociais, que escolheram o ministro relator Joaquim Barbosa como seu herói, quanto nas pesquisas eleitorais que estão mostrando a perda de substância política do PT em áreas onde sempre foi bem votado ultimamente, como o Nordeste.
As capitais do país, onde a classe média tem mais peso, estão até o momento rejeitando os candidatos petistas, mesmo que o tema mensalão não tenha entrado com toda força nas campanhas eleitorais e que se saiba que questões locais têm grande influência nas eleições municipais.
O ex-presidente Lula tinha razão quando tentou, ultrapassando todas as margens de segurança e civilidade democrática, adiar o julgamento para depois das eleições. Ele sabia que a combinação dos dois não faria bem à saúde do PT, muito embora os demais partidos também tenham suas culpas parecidas.
O problema do PT é que o julgamento dos políticos do DEM e do PSDB envolvidos em mensalões semelhantes em Brasília e em Minas não está sendo realizado neste momento.
No entanto, a jurisprudência que está sendo criada pelo Supremo Tribunal Federal certamente levará a que os próximos julgamentos desse tipo de crime ocorram sob critérios mais rigorosos do que, por exemplo, aquele que liberou o ex-presidente Collor de Mello.
Além do fato de ele ter sido impedido pelo Congresso, no que parecia ser na ocasião uma punição mais que suficiente por inédita, os hábitos e costumes do país foram se aperfeiçoando, embora estejam longe do ideal.
Uma demonstração clara dessa mudança cultural que vai se forjando no país é a reação generalizada dos advogados criminalistas, e não só os de defesa, e dos petistas ao posicionamento dos juízes do STF.
Alguns dos maiores criminalistas do país estão sendo derrotados, uns por unanimidade, porque basearam suas defesas em teses anacrônicas que o plenário do Supremo está se encarregando de destruir. E tudo dentro dos melhores preceitos constitucionais e da jurisprudência da Corte.
Da mesma maneira, seria impensável há poucos anos a aprovação de uma lei como a do Ficha Limpa, que a muito custo estamos implantando. Também é novidade bem recebida a devolução do dinheiro roubado em diversas instâncias, como começou a ser feito agora no país.
O deputado federal Paulo Maluf luta há anos para preservar o dinheiro que jura não ter no exterior, mas mais cedo ou mais tarde terá que devolvê-lo aos cofres públicos.
O ex-senador Luiz Estevão vai devolver R$ 468 milhões após acordo com Advocacia Geral da União, parte dos recursos desviados do TRT de São Paulo em um dos maiores escândalos de corrupção no país.
Também com relação ao mesmo escândalo, a Suíça autorizou repatriar US$ 7 milhões de conta de ex-juiz Nicolau, dinheiro que estava retido desde 1999 em conta de um banco suíço.
A surpresa das condenações de réus do mensalão já faz com que a opinião pública fique, em vez de saciada em sua sede de Justiça, mais exigente.
Afinal, se deputados federais e ex-ministros estão prestes a ir para a cadeia, e também banqueiros há muito tempo envolvidos em irregularidades nunca punidas, por que não sonhar mais longe e pensar além?
Se o dinheiro roubado é público, como decidiu a maioria do plenário do STF, quem vai reembolsá-lo ao governo? O PT? Os demais ladrões? O Banco Rural?
Até o momento nenhum juiz tocou nesse assunto, que certamente será abordado, assim como o ministro Cezar Peluso, antes de se aposentar, incluiu na pena do réu João Paulo Cunha a cassação de seu mandato.
Deveria ser uma consequência natural da condenação, mas ainda assim a Câmara dos Deputados reage à punição, tentando transformá-la em um assunto interna corporis, quando se trata de um servidor público que desmereceu o cargo que ocupa.
08 de setembro de 2012
Merval Pereira, O Globo
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