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Esquecer a dimensão estratégica desses crimes, usando as culpas individuais como cortina de fumaça para encobrir o plano global que os gerou, não é de maneira alguma fazer justiça: é inocentar o grande culpado, punindo em vez dele os seus colaboradores.
Vivendo num país onde, malgrado a corrupção nas altas esferas, o empenho diário de evitar o mal e fazer a coisa certa ainda é uma realidade vivente no seio de tantas famílias e uma referência incontornável até mesmo para a mídia mais mentirosa e vendida, a degradação dos padrões de julgamento moral no Brasil surge aos meus olhos com uma clareza estonteante.
Notem bem: eu não disse padrões de conduta, disse padrões de julgamento. A prática do crime aí tornou-se tão normal e corriqueira que ela própria determina os critérios com que será julgada, nivelando tudo por baixo.
O bem, o heroísmo e a santidade desapareceram do repertório das possibilidades humanas, até mesmo imaginárias, de tal modo que as virtudes mais banais e obrigatórias se tornaram a medida máxima de aferição das ações, e o simples fato de um funcionário cumprir o regulamento basta para elevá-lo ao céu dos modelos divinos.
Não vai nisso, é claro, qualquer crítica ou tentativa de depreciar o desempenho de Suas Excelências. Quem está julgando errado não são os juízes, é a sociedade brasileira, que elevou a vigarice e o crime a símbolos convencionais da normalidade e já se deslumbra até o ponto do desvanescimento e do orgasmo quando alguém simplesmente se abstém de praticar a esperada sacanagem.
Nessa escala diminuída, não é de espantar que a própria extensão dos delitos cometidos e punidos tenha sido reduzida à sua medida mínima, como se fossem meros pecados individuais e não a expressão direta, racional e inevitável da estratégia política global que dirige o curso dos acontecimentos neste País desde há uma década.
Nenhum dos réus do processo agiu por conta própria, nem no seu interesse pessoal exclusivo. Todos tinham a consciência clara – e por isso mesmo, a seus próprios olhos, totalmente limpa – de trabalhar para a glória e o poder do seu partido, para a consolidação da hegemonia esquerdista, que se colocava acima das leis não por um desvio acidental, mas com o propósito deliberado de destruir o sistema vigente e legitimar, pelo hábito repetido, o império soberano de uma nova autoridade: o "poder onipresente e invisível" de que falava Antonio Gramsci.
Esquecer a dimensão estratégica desses crimes, usando as culpas individuais como cortina de fumaça para encobrir o plano global que os gerou, não é de maneira alguma fazer justiça: é inocentar o grande culpado, punindo em vez dele os seus colaboradores.
O fato é que nem os juízes, nem os analistas de mídia, nem os formadores de opinião em geral conhecem, seja os planos estratégicos da esquerda brasileira como um todo, seja, mais ainda, a tradição marxista que os inspira e determina. Todos julgam, assim, desde uma visão minimalista onde os detalhes aparecem soltos e o projeto maior permanece incólume por trás do sacrifício de seus estafetas e office boys.
Quem quer que tenha estudado um pouco de estratégia comunista – o que não é o caso de nenhum desses ilustres opinadores – sabe que a conduta do partido revolucionário se orienta com o propósito de usar temporariamente o direito burguês como instrumento não só para impor em nome dele um direito novo e antagônico, mas de apressar a desaparição de todo o direito, substituindo-o pelos decretos onipotentes da elite iluminada que comanda o processo.
Onde quer que um partido imbuído da ambição revolucionária de mudar a sociedade de alto a baixo ascenda ao poder, usando para isso os pretextos mais respeitáveis da moralidade convencional – como o fez o PT ao longo da sua fulgurante carreira de denunciador da corrupção alheia –, a imoralidade e o crime se imporão logo em seguida, não como desvios e aberrações, mas como instrumentos preferenciais para demolir o senso estabelecido da moral e da justiça e, na subsequente confusão geral das consciências, impor um novo padrão de julgamento, onde a vontade revolucionária é o critério supremo e único do bem e da verdade.
Tudo isso está ocorrendo bem diante dos olhos sonsos e cegos de uma opinião pública que não apenas se contenta, mas entra em êxtase quando o partido criminoso entrega à justiça seus agentes menores para preservar-se politicamente, limpando-se na sua própria sujeira, como sempre.
09 de outubro de 2012
Olavo de Carvalho
Publicado no Diário do Comércio.
Publicado no Diário do Comércio.
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