"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 23 de outubro de 2012

EM DEFESA DA DEMOCRACIA


A sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal não apenas colocou um fecho no processo do mensalão, definindo como ação de quadrilha a relação do núcleo político do PT com os grupos do lobista Marcos Valério e os financiadores do esquema, como indicou que serão pesadas as penas para os principais envolvidos na trama criminosa.

O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, chamou-os de “sociedade de delinquentes”. O ministro Marco Aurélio Mello releu um discurso histórico que fez ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2006, quando definiu os mensaleiros como um grupo “seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura”.

O ministro Gilmar Mendes destacou que a paz social fica em risco quando se procura desmoralizar a democracia. “Não tenho dúvida de que a gravidade dos fatos atentam contra a paz pública na concepção social. (...) Sem dúvida isso subverte a lógica das instituições colocando em risco a própria sociedade”.

O ministro Luiz Fux baseou seu voto de condenação no fato de que o Supremo já decidira que existia um "projeto delinquencial" de longa duração. O presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, também foi pela mesma linha de considerar que a ação dos grupos em coordenação caracterizava bem uma quadrilha que colocou em risco a paz pública ao atentar contra o estado democrático de Direito.

Em maio de 2006, o ministro Marco Aurélio Mello faria um discurso de posse tão destemido, em pleno escândalo do mensalão, que, ele revelou ontem, sugeriu que o então presidente Lula não comparecesse à cerimônia para evitar constrangimentos.

Ele disse na ocasião, e repetiu ontem, que o Brasil se tornara o país do "faz-de-conta". “Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos, em que se tornou lugar-comum falar dos descalabros que, envolvendo a vida pública, infiltraram na população brasileira – composta, na maior parte, de gente ordeira e honesta – um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância”.

O decano Celso de Mello disse que nunca, em 44 anos de atuação na área jurídica, viu tão caracterizada uma quadrilha quanto neste caso. Comparou a quadrilha do mensalão às quadrilhas que atuam no Rio de Janeiro e ao PCC paulista. “Conspiradores à sombra do Estado, quebrando a tranquilidade da ordem e segurança”.

Celso de Mello disse que o que via nesse processo “homens que desconhecem a República, que vilependiaram o estado democrático de direito e desonraram o espírito republicano. Mais do que práticas criminosas, identifico no comportamento desses réus, notadamente, grave atentado à ordem democrática”.

O ministro Gilmar Mendes classificou de “naturalista” a interpretação que levou as ministras Rosa Weber e Carmem Lucia a negarem a existência de quadrilha, e ressaltou que no decorrer do julgamento já fora determinado que a democracia brasileira esteve em risco com os crimes do mensalão.

O ministro Luiz Fux asseverou que na literatura jurídica não há exemplo de um crime praticado em co-autoria ao longo de dois anos, e não faz sentido condenar membros dos diversos núcleos do mensalão sem enxergar que essas condutas só puderam ser praticadas graças a uma associação estável entre os réus já condenados.

O presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, encerrou a sessão com seu voto que condenou os mensaleiros por crime de quadrilha. Ele baseou sua decisão no convencimento de que a paz pública foi afetada, e que é preciso condenar os culpados para que a sociedade não perca a crença de que seu Estado dará a resposta adequada.

“A paz pública é essa sensação coletiva, em que o povo nutre a segurança em seu Estado. O trem da ordem jurídica não pode descarrilhar. Dessa confiança coletiva no controle estatal é que me parece vir a paz pública. A tranquilidade resulta da confiança. (...) O fato é que a sociedade não pode decair da confiança de que o Estado manterá as coisas sob controle. Paz pública é isso”.

Pelo teor dos seis votos que condenaram os réus pelo crime de quadrilha, confirmando a acusação do Procurador-Geral da República, as penas dos condenados principais serão pesadas.
Haverá um abrandamento a um ou outro réu, como já indicou o presidente do STF em relação à posição secundária de José Genoino na presidência do PT ou dos sócios de Marcos Valério, mas os cabeças do esquema – José Dirceu, Delubio Soares e Marcos Valério – devem ser condenados com penas agravantes.

23 de outubro de 2012
Merval Pereira

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