"O Legislativo está providenciando a sua perfeita inutilidade como Poder e como representação popular".
Criticada por não
colocar em votação o projeto que extingue os 14º e 15º salários pagos aos
parlamentares e por ter oficializado, durante a semana, a folga nas
sextas-feiras, a atual Legislatura da Câmara dos Deputados é marcada pela
aprovação de outras benesses polêmicas em favor de integrantes da
Casa.
Nesta lista,
publicada no Diário Oficial da Câmara desde o começo do ano passado, estão ainda
a aprovação da proposta que vincula automaticamente os aumentos salariais dos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) às remunerações dos parlamentares, o
reajuste da verba de gabinete de R$ 60 mil para R$ 78 mil e a criação de um
sistema informatizado que dificulta a fiscalização, por parte do cidadão, dos
salários dos parlamentares e servidores no site da Casa.
Levantamento feito
pelo Correio com base em todas as resoluções que alteraram o regimento interno
da Casa desde 1995 mostra que é de praxe as gestões assumirem o comando do órgão
e editar atos que beneficiam parlamentares e funcionários da Casa.
Cargos em comissão e
planos de cargos e carreiras foram criados e alterados durante esse período,
assim como verbas indenizatórias e de gabinete foram concedidas e
reajustadas. Todas essas matérias passam pelo crivo da Mesa Diretora do órgão,
responsável pela organização dos trabalhos legislativos e pela administrativa da
instituição.
Em 1999, por
exemplo, uma resolução da Câmara relaxou, com base no regimento interno, a
prisão em flagrante a que foi submetido o então deputado Remi Abreu Lima por
suposto crime de racismo. Ele teria cometido o crime a bordo de um avião durante
um voo comercial e respondia a processo na 3ª Vara da Seção Judiciária do
Pará.
O corporativismo
também ocorre frequentemente quando os parlamentares são instados a analisar
processos que apuram condutas de colegas que esbarram no decoro
parlamentar.
Para o diretor do
Centro de Estudos Avançados da Universidade de Brasília, Ricardo Caldas, o
Congresso Nacional está ficando cada vez mais fisiológico, clientelista e
descolado dos interesses da sociedade civil.
"Sempre houve
movimentos fisiológicos, mas agora os interesses estão ficando tão mais
evidentes que cada vez menos eles têm pudor para defendê-los abertamente. Eles o
fazem com menos vergonha, com declarações abertas", afirma Caldas.
Regras
dribladas
Ele acredita que os
deputados estão tomando mais cuidado com algumas práticas voltadas aos seus
próprios interesses.
"Ontem, quem
contratava o filho, hoje pede para o amigo contratar. Quando o esquema é
descoberto, uma nova forma é criada. O controle social não é efetivo e os
deputados editam normas de acordo com as suas necessidades.
No Brasil, a classe
política é a única que se auto regulamenta. Nós concedemos a eles uma capacidade
de auto regulamentação ilimitada. Nem o Poder Judiciário questiona",
avalia.
Na opinião do
professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas Roberto
Romano, o Congresso é cada vez mais inútil, sem poder de legislar e de
fiscalizar, já que vive da apreciação de medidas provisórias encaminhadas pelo
Executivo. Assim, segundo ele, resta aos parlamentares cuidarem da sua própria
carreira.
"O Legislativo está
providenciando a sua perfeita inutilidade como Poder e como representação
popular. Resta a eles, então, cuidar da sua própria carreira e ascensão social.
A ideia de representação republicana e democrática vem sendo corroída há muito
tempo", analisa.
Segundo Romano, o
problema também ocorre porque os deputados e senadores não assumem o mandato
como representante popular, mas sim como lobistas disfarçados.
"Não por acaso você
tem mais de 10 projetos regulamentado o lobby no Congresso e não saem da gaveta
nunca. Eles querem manter a aparência de representantes do povo, mas ao mesmo
tempo fazendo lobby. Por isso temos uma enorme onda de escândalos",
diz.
A assessoria da Câmara
foi procurada para comentar os benefícios concedidos durante a atual
Legislatura. No entanto, até o fechamento da matéria, não houve
respostas.
R$ 78
MIL
Valor da verba de
gabinete a que cada deputado tem direito para contratação de
assessores
"Sempre houve
movimentos fisiológicos, mas agora os interesses estão ficando tão mais
evidentes que cada vez menos eles têm pudor para defendê-los abertamente"
.
Ricardo Caldas,
cientista político da Universidade de Brasília (UnB)
"O Legislativo está
providenciando a sua perfeita inutilidade como Poder e como representação
popular. Resta a eles, então, cuidar da sua própria carreira e ascensão
social"
Roberto Romano,
professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas
Pacote de
benesses
Confira as medidas
aprovadas pela atual gestão atual da Câmara dos Deputados
(2011-2012)
» Adiamento da
votação da proposta que extingue os 14º e 15º salários pagos aos
parlamentares
» Aprovação da
proposta que vincula automaticamente os aumentos salariais dos ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) às remunerações dos parlamentares
» Oficialização do
projeto que não prevê votações nas sessões de segunda e sexta-feira
» Criação de um
sistema informatizado que dificulta a fiscalização, por parte do cidadão, dos
salários dos parlamentares e servidores no site da Casa
» Aumento da verba
de gabinete de R$ 60 mil para R$ 78 mil, usada para pagar os salários de até 25
funcionários que cada parlamentar tem direito a contratar
» Reajuste no valor
das diárias concedidas a deputados e servidores em missão oficial no Brasil e no
exterior.
» Concessão de cota
adicional aos líderes de partidos nanicos que têm apenas um deputado federal, no
valor de R$ 1,2 mil, para ser usado com material de escritório, refeição e
consultorias.
» Disponibilização
de dois veículos Ford Fusion para ocupantes do cargo de comando da Procuradoria
Especial da Mulher e da presidência do Conselho de Ética
LEANDRO KLEBER/Correio
Braziliense
Colaborou Karla
Correia
23 de outubro de 2012
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