No voto mais esperado de ontem, numa das mais delicadas e polêmicas questões do julgamento do mensalão, o ministro Marco Aurélio foi vigoroso e implacável ao condenar José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares por formação de uma "quadrilha das mais complexas". Ou "quadrilha sofisticada", na versão de Celso de Mello.
A adjetivação -"complexa" e "sofisticada"- foi importante para clarear a questão e principalmente para atualizar a definição de quadrilha, que não é mais apenas uma união de bandidos armados que se movimentam no submundo, roubam e matam cidadãos. No entender do Supremo, quadrilha, nesse nosso mundo globalizado, é também a associação de engravatados e ilustres para cometer outros tipos de crime, como o de desvio de dinheiro público.
No meio da sessão, num arroubo didático, quase coloquial, o relator Joaquim Barbosa demonstrou o temor de que a mais alta corte do país fizesse um corte sociológico, ratificando a percepção de que só há bando e quadrilha em morros e favelas, relevando as associações criminosas de colarinho-branco, ou punhos de renda -da elite, enfim. Mas o Supremo não fez esse corte.
A maioria julgou que o mensalão foi, sim, um crime de quadrilha. Para Ayres Britto, quadrilha "é organicidade, é visceral". Para Gilmar Mendes, se não era armada, não muda nada, pois arma é agravante, e não condicionante. Para Celso de Mello, uma quadrilha mais perigosa do que a de criminosos comuns, operada dos "subterrâneos do poder".
Mais do que condenar réus tão emblemáticos, o STF mandou um recado ao país e aos poderosos. A partir de ontem, criminosos de colarinho-branco que se associarem para desvios e assaltos aos cofres públicos estarão juridicamente nivelados aos PPP (pobres, pretos e prostitutas) que, historicamente, habitam nossas cadeias. As vítimas, afinal, são as mesmas: o cidadão, a cidadã, a sociedade brasileira.
23 de outubro de 2012
Eliane Catanhede, Folha de São Paulo
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