"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 8 de outubro de 2012

MEU DIA DE NÃO VOTAR


Como acontece há mais de duas décadas, hoje foi mais uma vez meu dia de não votar. Há quem me reprove. Que, ao não votar, estou elegendo um canalha. À primeira vista, o argumento faz sentido. Mas e quando todos os candidatos são canalhas? Aí, a objeção não faz mais sentido algum.

Devo ter votado duas ou três vezes após a ditadura. Meu último voto foi para Collor. Não pelos seus belos olhos, tampouco por sua caça aos marajás. Mas porque o outro candidato era Lula. Sempre vi no PT um reduto de comunistas, trotskistas e católicos de esquerda e, antes mesmo da existência do partido, já o combatia.

Explico. Nos anos 70, quando vivia em Porto Alegre, muito escrevi contra Tarso Genro, Pilla Vares, Marco Aurélio Garcia, Flávio Koutzii, que viriam a ser os pais fundadores do PT gaúcho. Pelo jeito, viraram os pais sepultadores. Agora há pouco, no calor das apurações, recebo uma desolada mensagem: Tarso arrasa com o PT no Rio Grande do Sul. Maravilha! Mesmo à revelia, algum bem fez para a humanidade.

Outro candidato no qual votei para vereador era um engraxate da Praça da Alfândega, em Porto Alegre. Pelo jeito, ele fizera algumas leituras desordenadas e, enquanto lustrava sapatos, ia desenvolvendo um marxismo tosco. Seria bom para ele, pensei, trocar essa cadeira por uma curul. Foi eleito. Mal tomou posse, saía a caçar prostitutinhas com carro oficial nas ruas da capital. Morreu ingloriamente, esfaqueado numa briga com vizinho.

Houve candidato ao qual quis dar meu voto e sei que não me arrependeria. Foi o João Gilberto Lucas Coelho, com quem convivi em Santa Maria. Não pude. No dia das eleições, eu estava no Rio, embarcando no Eugenio C, rumo à Europa.

Naqueles dias, talvez fosse possível a um político eleger-se sem mentir. Hoje não mais. O candidato precisa de votos. Para ganhá-los, precisa dizer o que o público gosta de ouvir. Se estiver em meio a crentes, se dirá também crente, mesmo que não o seja. Não por acaso, a perguntinha sobre Deus já constrangeu tanto Fernando Henrique quanto Lula.

E está sendo decisiva em São Paulo. Todos os candidatos com alguma chance pediram benção tanto à Igreja Católica como aos demais pastores, os ditos neopentecostais. Um dos candidatos, que despontou na dianteira das pesquisas e agora – 20 hs da noite – já está morto e sepultado, prometeu templos em cada esquina de São Paulo. Para não perder eleitores, não especificou fé. Templos para qualquer deus, desde que rendam votos.

O candidato petista usou do mesmo subterfúgio. Em sua plataforma, se define como cristão ortodoxo. Confesso desconhecer a nova confissão de fé. Conheço católicos ortodoxos, mas na Rússia, Grécia e Turquia.

De cristãos ortodoxos nunca ouvi falar. Os cristianismos são tantos, que as ortodoxias são reivindicadas por vários ramos da crença. Que me conste, não existe nenhuma igreja cristã ortodoxa no país. Católicos ortodoxos, sim. Eles têm seus templos até mesmo aqui em São Paulo. São em geral gregos ou descendentes de gregos, oriundos do chamado Grande Cisma do Oriente, ocorrido em 1054, em Constantinopla, quando oriente e ocidente se desentenderam em torno da questão do filioque, da qual tanto já falei nestas crônicas.

Ocorre que Haddad, se se professar católico, está afastando de seu curral os acólitos dos bispos televisivos. Que hoje constituem uma larga faixa do eleitorado. Melhor então cristão ortodoxo. Não quer dizer nada, mas ninguém sabe disso, e acaba acreditando que o velho comunista pode até mesmo ser cristão. O que Haddad não quer nem lembrar é sua velha fé, o marxismo. Que, depois da queda do Muro, não parece render muito Ibope por aqui. Pelo menos fora da universidade.

Agora, 20h30, os jornais já dão por certo que Haddad e Serra disputarão o segundo turno pela prefeitura de São Paulo. Serra, se alguém não lembra, é aquela raposa velha sedenta pela Presidência da República, que já renunciou a seu mandato por vôos mais altos. Tanto que sua principal promessa de campanha, hoje, é não abandonar o mandato em 2014, nem para concorrer à Presidência. "Eu não vou de novo para presidente porque já fui duas vezes. Tem muita coisa para ser feita em São Paulo."

O que muita gente esquece é que Serra, em seus dias de juventude, foi militante do grupo terrorista católico AP. Como jamais ouvi do candidato qualquer palavra de renúncia à antiga ideologia, suponho que ainda acredite, lá no fundo de sua meiga alminha, nos bons propósitos do camarada Mao que orientaram a AP. Esta é a tragédia nacional: 23 três anos após a queda do Muro, ainda disputam eleições no Brasil múmias oriundas da Guerra Fria.

As campanhas dos candidatos são ridículas. Serra, covardemente, querendo insinuar que Lula era o mandante supremo do mensalão, falou no filme O Padrinho, do Coppola. Mas só citou o filme. Nenhuma associação ao capo di tutti i capi. Quem quiser associar, que o faça por conta própria. Serra, se acusado da associação, dirá que não disse nada.

Haddad, por sua vez, não gostou de ser associado aos antigos companheiros, hoje réus do mensalão e nem mesmo a seu mais novo aliado, Paulo Maluf. Sua campanha declarou à Justiça Eleitoral ser "manifestamente degradante" para ele ser associado aos colegas de partido José Dirceu e Delúbio Soares e ao deputado federal Paulo Maluf (PP), que integra sua chapa. Quanta ingratidão. Ontem, militantes do mesmo ideal. Hoje, companhia degradante.

Pior ainda, andou mandando recado a Aécio Neves, dizendo que o senador deveria estudar e ler “um livro por semana” caso queira ser presidente da República. “Em vez de apresentar um projeto melhor que o nosso, (os tucanos) ficam torcendo que o nosso dê errado. Então apresenta um projeto melhor, estuda. Se o Aécio quer ser presidente, estuda um pouquinho. Lê um livro por semana. Pode ler na praia, ninguém vai se incomodar se ele fizer uma leitura lá em Ipanema”.

Disse isso o candidato que tem como patrocinador nada menos que Luís Ignácio Lula da Silva. Parece ter esquecido um antigo dito: não se fala em corda em casa de enforcado.

Nos últimos anos, andei acompanhando a trajetória de um deputado paranaense, o Gustavo Fruet. Acusador implacável do mensalão, dono de um discurso preciso, impecável, me parecia ser uma opção para votar. Pois não é que, nesta eleição, o homem se aliou ao PT? Onde fica sua condenação do mensalão? Decididamente, votar é inviável.

Ora, direis, algum administrador precisamos eleger. De acordo. Mas, pessoalmente, não quero ser responsável pela eleição de nenhum vigarista. Daqui a três domingos, estarei não votando de novo.


08 de outubro de 2012
janer cristaldo

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