Como é mesmo que eles costumam dizer? Dilma tem “espírito republicano” ─ ou algo que o valha. Ela seria avessa, chegando a ter ojeriza, à política miúda, regional. E implacável com quem, no poder, imiscui o Estado em questiúnculas paroquiais.
Nesse sentido, difere de seu criador, um homúnculo incorrigível, como água para pinga ─ pelo menos é o que sugerem até analistas da grande mídia, dando a impressão de que falam de outra pessoa. Talvez porque, por preguiça, nunca tenha ouvido a outra pessoa falar.
A outra pessoa é a “bichinha palanquera”, apelido criado pelo próprio Lula para sua títere, quando ela tomou gosto pela coisa. Dilma gostando de fazer discurso equivale àqueles cantores terríveis que adoram karaokês
Esta semana a agenda republicana da presidente teve dois pontos altos: o comício pró-Haddad em Itaquera, periferia de São Paulo. E outro, pró-Patrus, no Barreiro, bairro operário de BH. No primeiro, com a graça vocal, corporal e gestual que lhe é peculiar, Dilma se mostrou obcecada com a declaração de Serra de que ela, nascida na etérea fronteira de Minas Gerais com o Rio Grande do Sul (daí talvez a estranha fala borderline da presidente), não podia meter o bico na eleição de São Paulo. Pra quê.
Utilizando todas as variações conhecidas do dilmês, sobretudo o vulgar, o comício de Itaquera só conseguiu demonstrar como uma “presidente republicana” consegue fazer bico de (des)animadora de palanque do PT. Detalhe digno de nota: o clímax do vídeo com o discurso de Dilma (seguido pelo do botox que fala), foi o número de um cidadão de chapéu de palha fazendo uma imitação caricata e impagável de Lula ─ sobretudo quando falava “Adádi”. Pessoal do Pânico na Band, assistam ao vídeo ─ esse rapaz vai longe. Será que imita mais alguém?
Dois dias depois, o Aerodilma comprado e abastecido por nós levava a bichinha palanqueira republicana para BH ─ onde o candidato do PT, Patrus Ananias, também passa por maus bocados. E, desta vez, o que inspirou Dilma Furiosa foi a declaração de Aécio de que ela, em Minas, era estrangeira.
Foi demais para o coração republicano de Dilma ─ que, aos 64 anos, uma devoradora de livros com a inapetência intelectual dos cupins, ainda não conseguiu perceber que as palavras podem ter sentido figurado. Como essa “estrangeira” que saiu da boca de Aécio. Para Dilma, estava-se falando de registro de nascimento, não de alma.
“Queria respondê a algumas coisas que andam falando por aí”, com os dedinhos desenhando no ar um trem danado de indignação para pontuar o “por aí”, querendo dizer Aécio, que sempre viaja de cá pra lá.
“Eu acho e eu queria aqui que ocês pensassem comigo, que ocês racionassem comigo”, prossegue a “presidenta de todos os brasileiros”, convidando os mineiros a não racionarem, se é para racionarem com ela.
“Eu nasci aqui. Eu nasci aqui em Belo Horizonte, num hospital chamado São Lucas”. Pausa para um clássico olhar de baixo pra cima, sempre significando, no caso de Dilma, de cima pra baixo.
“Eu nasci em Belo Horizonte”, repete, como se alguém contestasse o local físico de seu nascimento da mesma forma que se questionou a americanidade de Obama.
De qualquer modo, louve-se Dilma pela afirmação peremptória e impecável, na forma e no conteúdo. Frase assim, com apenas cinco palavras e começo, meio e fim ─ “Eu nasci em Belo Horizonte” – é um acontecimento no dilmês.
Mas, para Dilma, ainda não tinha ficado tão claro quanto para nós. Em dois anos e meio de palanque, ela aprendeu rudimentos de oratória. Um deles, o reforço conceitual pelas vias da obviedade:
“Eu andei pela primeira vez aqui, em Belo Horizonte” ─ diz ela, triunfal, não especificando por que ruas de BH andou nem se já andou a segunda vez.
Continua, para calar Aécio de vez:
“As minhas primeiras palavras foram ditas aqui em Belo Horizonte”, deixando no ar uma interrogação para quem conhece os limites do dilmês: já não está na hora de dizer suas segundas palavras?
Quer mais, Aécio papudo?
“Aqui, eu estudei”.
Há controvérsias, mas vamos adiante:
“Fiz colégio estadual”
Até aí, nenhuma vantagem. Lula fez cinco faculdades. Conhecem a história do tijolo que acabou antes da sexta?
“Aqui em Belo Horizonte, eu aprendi a gostar de cinema, de música, a gostar de literatura”
Gostar é uma coisa. Eu aprendi a gostar de golfe. Nunca peguei num taco na vida. Mas não desa
nime: o comício da mineiridade vai ficar mais denso:
“E também aqui em Belo Horizonte eu aprendi uma coisa importante que os mineiros têm, sempre tiveram ─ que é sê capaz de lutá pelo seu país”.
É Dilma incorporando num inconfidente? Não é à toa que Aécio não quer ser considerado conterrâneo da presidente:
“O mineiro é um povo que mora aqui no centro do Brasil”, enfatiza ela, questionando a teoria de que os mineiros moram no Norte ou no Sul.
“Por isso talvez ele tenha um lugar especial, sabe Patrus (e Patrus então deve ter pensado “esplêndido”)? E ele olha pá todo o Brasil”.
Lírico, raso mas profundo, e definitivo ─ homenagem talvez ao recém-falecido Hobsbawm. A mineirice como epicentro do Brasil, empoleirada numa torre de observação no Pico do Cristal, na Serra do Caparaó (desculpem-me os mineiros legítimos, mas metáforas não são o ponto forte do dilmês. Aliás, qual é o ponto forte do dilmês?).
“E isso vem desde lá o Tiradentes” (e se um popular presente ao comício indagasse, de sopetão: “Presidenta, qual era o nome completo de Tiradentes?”. Alguém apostaria um níquel na resposta correta?)
“Passa pelos presidentes mineiros, né, pelo JK, pelo Itamar”.
E passa agora por Dilma (a mineira Dilma, não há a menor dúvida disso) ─ que, nestas eleições, suas primeiras como presidente, mete o bico, sem a menor cerimônia republicana, onde quer que seja convocada por Lula, para ajudar o PT, desesperadamente, inutilmente, com discursos constrangedores, a tentar sair de sua armadilha mortal e merecida ─ o repúdio e o basta dos brasileiros dignos. Incluindo, é claro, paulistas e mineiros.
Dilma em Itaquera
Dilma no Barreiro
08 de outubro de 2012
Celso Arnaldo
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