"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 7 de novembro de 2012

EREMILDO E GILBERTO CARVALHO (ELIO GASPARI)

 

Eremildo não entende por que a oposição insiste em contestar a versão oficial do assassinato de Celso Daniel, o prefeito de Santo André que em 2002 chefiava a coordenação da campanha de Lula. Ele acha que ocorreu um sequestro de bandidos e ponto final.
É verdade que o irmão do morto contou ao Ministério Público que o ex-secretário de governo do município, Gilberto Carvalho, confidenciou-lhe que levava ao comissariado petista propinas arrecadadas na cidade.

Há dez anos, o médico João Francisco Daniel dizia que “o PT tem caixa dois, como qualquer outra legenda”.

Mesmo sendo um idiota confesso, Eremildo reconhece que, em relação à caixinha, o irmão de prefeito estava certo. Afinal, esse trambique tornou-se a espinha dorsal da defesa dos companheiros no Supremo Tribunal Federal.

À época, o irmão do morto foi desqualificado pela viúva e por Gilberto Carvalho. Atribuiram suas acusações a “um desequilíbrio emocional visível”. Eremildo entendeu.

São Paulo é uma cidade violenta e, talvez por isso, cinco pessoas relacionadas com a morte de Celso Daniel foram assassinadas. Uma num presídio. Outras duas, a tiros.

O garçom que serviu o jantar do prefeito antes do sequestro acabou-se numa moto, fugindo de uma perseguição. A testemunha desse acidente morreu a bala.

Considerando-se que os conspiromaníacos já contaram 103 mortes estranhas de pessoas ligadas ao presidente John Kennedy e ao seu assassinato entre 1963 e 1976, o número de Santo André é miserável.

O que incomodou Eremildo foi a resposta que Gilberto Carvalho, atual secretário-geral da Presidência, deu à acusação de Valério, de que o comissariado teria pedido ajuda financeira para calar chantagistas de Santo André.

Carvalho repetiu que nunca viu o companheiro financista e acrescentou: “Tenho até que respeitar o desespero dessa pessoa.”

Essa foi forte para o idiota. Seria razoável poupar o irmão de Celso Daniel em nome de um hipotético “desequilíbrio emocional visível”. “Respeitar o desespero” de um réu confesso a quem nunca viu é um exagerado exercício de caridade.

Uma coisa seria dizer que Valério está desesperado porque delinquiu e viu-se condenado pelo Supremo Tribunal Federal. Respeitá-lo por isso é cortesia que escapa à percepção do idiota.
Talvez Carvalho pudesse falar, no máximo, em piedade. Afinal, a acusação feita por Valério é mais grave do que quaisquer malfeitorias citadas nas 50 mil páginas do processo do mensalão, pois envolve um homicídio.

Eremildo é um idiota, mas conhece diversas pessoas que não o são. Algumas dão a Valério o benefício da dúvida, nenhuma respeita-o.

O procurador-geral da República informa que, até agora, Marcos Valério não é um réu colaborador. Pelo conhecimento do idiota, Roberto Gurgel leu tudo o que Valério contou ao Ministério Público.
A acusação deveria levar o PT e Gilberto Carvalho a pedir a abertura de um novo processo.
Se o caixa do mensalão tiver provas de que botou dinheiro na conta de companheiros ligados ao esquema de Santo André, os comissários deverão se explicar à Justiça.

Por enquanto, a bola de ferro continua presa ao tornozelo de Valério. Eremildo não entende por que o secretário-geral da Presidência respeita um condenado desesperado.

07 de novembro de 2012
Elio Gaspari, O Globo

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