Embora ele às vezes dê uma dentro, eu, de uma maneira geral, nunca fui com as fuças do Arnaldo Jabor. Endeusado por aquela parte da classe média que “não tem tempo” para se inteirar com política, mas tem para ler a revista Caras, Jabor virou uma espécie de arauto dessa gente para quem o capítulo final da novela Avenida Brasil foi muito mais importante que o julgamento final do mensalão. Gente que ouviu o galo cantar, mas não sabe aonde.
Exatamente por causa da “falta
de tempo” dessa gente, Jabor, um “intelequituau” low profile, boa-pinta, da
esquerda festiva inofensiva, caiu como uma luva como porta-voz dessa classe
média preguiçosa, com a vantagem – para ele – de não ser cobrado nunca por causa
do desconhecimento de causa dos seus seguidores.
Mas
dessa vez ele exagerou nas tintas e nos preconceitos falando sobre os americanos
no seu artigo das terças em O Globo. Leiam (os grifos são meus):
Hoje é dia
de rock
Se o Obama
ganhar, teremos a felicidade de ver a derrota das famílias gordinhas dos boçais
da direita, seus churrascos nos jardins e nas cadeiras
elétricas
Hoje nossa
vida vai mudar. Para pior ou melhor? Hoje vamos saber. Quem dá mais? Obama ou
Mitt? A inteligência que resiste à estupidez ou aqueles 59 milhões de idiotas
que elegeram o Bush na fraude da Flórida? Será que vão repetir a
roubalheira? Estranha herança da democracia dos founding fathers — furos
propositais no sistema eleitoral, “zebras” programadas. Será que ganha o
racismo oculto, recôndito, a KKK na alma de wasps? Bush foi o macaco na loja
de louças do Ocidente. Mitt Romney finge ser uma evolução da espécie dos símios,
mas é macaco também. E não me venham chamá-lo de “sensato
conservador”.
Barack
Obama passou por Malcolm X, por Luther King e atingiu uma espécie de síntese de
virtudes políticas que almejamos: tolerância, a inteligência contra a mentira,
pela superação da guerra partidária, contra os lobbies, contra a tirania do
petróleo, contra o efeito estufa. E não me venham chamá-lo de “esquerdinha sem
programa”...
E aumentou
o perigo da eleição de Mitt, depois do péssimo desempenho de Obama no primeiro
debate, em parte por narcisismo, pois estava “se achando” e, em parte, por
ingenuidade, acreditando que ideias verdadeiras impressionam os eleitores
americanos.
Mitt
Romney, bem treinado por sua equipe, despejou um discurso de mentiras com
altivez e articulação, com sua cara perfeita para presidente, seu rosto mix de
Clinton com Kennedy, cabelo grisalhos, olhos úmidos e um sorriso irônico nos
lábios, tudo estudado para arrasar Obama, que a seu lado parecia um vendedor de
amendoim. Os democratas esqueceram que no discurso político importa muito mais o
tom, o ritmo da frase, o sorriso na hora certa, a ênfase de falsas certezas, a
beleza do rosto wasp. Mitt parecia um Lula ou um Maluf falando inglês: tudo para
a mídia, todas as inverdades ditas com precisão e
certeza.
Aliás,
durante a convenção democrata, notei uma súbita sombra que passou no rosto de
Michelle Obama enquanto Clinton fazia seu discurso histórico, arrasando os
republicanos. Senti que Michelle, por um segundo, percebeu que o charme
infinito, branco e wasp de Clinton poderia eclipsar o marido, sabia que a ajuda
de Clinton era excelente e ao mesmo tempo perigosa — poderia relegar Obama para
um papel de coadjuvante. Pode ter sido impressão minha, mas confirmou-se no
primeiro debate. Diante dos dois wasps clássicos, Clinton e Mitt se digladiando
por ele, baixou-lhe um tremor de presidente negro, diante do sutil racismo que
existe na maioria dos americanos brancos. Depois disso, tudo ficou por um fio,
empate técnico, subida da confiança do republicano que, aconselhado por seus
orientadores como Karl Rove, resolveu voltar atrás e bancar o “moderado”,
negando todas as barbaridades reacionárias que já proferiu. E com a propaganda
reacionária, Obama ficou de “radical”, “comunista”, “muçulmano e filho bastardo
de mãe adúltera”.
Mitt é o
delfim da pior face da América: o mundo psíquico dos republicanos, filhos de um
deus duro e implacável.
Suas caras,
suas fuças parecem dizer: “Não tenho dúvidas, não quero ouvir, já sei tudo, Deus
me disse...!!”
Eles
encarnam o pensamento dos milhões de americanos que jazem entre o hambúrguer e o
sofá, diante da TV, gente que acha que problemas se raspam, que dissidências
se esmagam, que complexidades se achatam, que o múltiplo tem de virar “um”, que
tudo tem princípio, meio e um fim e que o fim deve ser igual ao
início.
Quando Mitt
declarou: “Eu não sou o Bush!” — mentiu. Ele é o Bush, sim; eles são produzidos
em série no útero puritano da América, forjados na velha religião do século
XVII, falando nas “forças do mal”, que são eles mesmos. Há um racismo sutil além
da cor da pele.
Se o
Mitt for eleito, voltará a grande máquina careta onde todos se encaixam como
parafusos obedientes, uma máquina que paralisa o presente num passado eterno,
para impedir um futuro que lhes fuja do controle. Os republicanos não têm
mais nada a aprender; moram na certeza, na eternidade, exatamente como os
suicidas de Osama. Como os islamitas, o grande desejo letal, funéreo dos
republicanos é a cultura da morte, a destruição de todas as conquistas
progressistas dos anos 1960 e 70: liberdade, antirracismo, direitos civis.
Querem limpar tudo com o detergente da
estupidez.
O maior
perigo é no plano internacional, com a vitória da ideia de que a América é um
país excepcional e que deve reconquistar sua liderança no mundo todo,
hostilizando a China, a Rússia, apoiando a extrema direita de Israel contra o
Irã, sem cultura política e sem habilidade para um mundo em crise econômica (em
parte devido a eles) e diante de conflitos crescentes no Oriente Médio. O perigo
maior é o que eles pensam: “Chega de frescuras de democracia, multilateralidade,
tolerância, bom senso! Vamos botar pra quebrar!”.
Imaginem
uma guerra na Mesopotâmia, em cima do mar de petróleo. A zona geral do Oriente
Médio atingiria o mundo todo, quebraria o comércio internacional e nossos sonhos
de emergentes privilegiados. Sente-se no ar o desejo inconsciente por uma
tragédia que pareça uma “revelação”. Sim. Diante de tantos fatos insolúveis,
surge a fome por algo que ponha fim ao “incontrolável”, a coisa que americano
mais odeia. Mesmo uma catástrofe atômica parecerá uma “verdade”
nova.
Por outro
lado, se o Obama ganhar, além de termos um homem sério e culto no poder, um
líder capaz de se haver com a complexidade política da época atual, teremos a
felicidade de ver a derrota das famílias gordinhas dos boçais da direita, os
psicopatas sorridentes de dogmas, seus hambúrgueres malditos, seus churrascos
nos jardins e nas cadeiras elétricas, não veremos mais os meninos mortos
voltando do Iraque como sanduíches embrulhados para viagem, a crueldade em nome
da bondade, a fé contra a razão, a santidade da burrice, tudo sob um inferno de
cânticos evangélicos e música country.
Não percam:
hoje, mais um passo para o nosso destino!
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