Diante da condenação de petistas graúdos no processo do Mensalão, o presidente do partido, Rui Falcão, saiu-se com um silogismo, que, em síntese, é o seguinte: julgamento de exceção produz vítimas, não culpados; o julgamento do Mensalão foi de exceção; portanto José Dirceu e companheiros são vítimas, não criminosos.
O silogismo, porém, se inverte quando se trata de Marcos Valério, condenado na mesma ação penal, pelo mesmo STF.
Valério não tem autoridade moral para denunciar Lula, diz Falcão, porque foi condenado. Já Dirceu e amigos devem continuar de cabeça erguida porque o julgamento foi arbitrário.
Trata-se, óbvio, de um raciocínio esquizofrênico, fruto da falta de argumentos. O julgamento é, simultaneamente, legítimo e ilegítimo. Não atinge a honra dos mensaleiros do PT, mas atinge a de Marcos Valério, embora estivessem todos no mesmo barco.
Ora, o que confere valor a uma denúncia não é a ficha pregressa de quem a faz, mas o conhecimento que tem do que denuncia e os indícios que oferece. É o caso de Marcos Valério.
Não é casual que as grandes devassas criminais partam de depoimentos de implicados nos delitos. À Justiça, pouco importam as intenções de quem denuncia. Importa a consistência das informações.
É claro que o denunciante investe na redução de danos – e não no arrependimento de fundo moral.
A operação Mãos Limpas, na Itália, nos anos 80/90, foi deflagrada por denúncias de mafiosos.
Aqui mesmo, o célebre escândalo do orçamento, a chamada Máfia dos Anões, foi denunciada por alguém que se envolveu nas tramoias que trouxe à tona, na expectativa de ocultar o assassinato da própria esposa.
Foi a partir das denúncias de José Carlos Alves dos Santos, alto funcionário do Senado, assassino de Elizabeth Lofrano, que foi possível desmontar a quadrilha do orçamento, da qual ele era o operador.
É claro que suas acusações não foram suficientes. Mas, investigando-as, a CPI constatou os fatos e gerou as responsabilizações políticas (cassações de mandatos) e penais.
O próprio Mensalão só veio à tona porque um de seus beneficiários, o então deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, decidiu denunciá-lo. Se o fez por vingança ou porque se sentiu acuado, ou por ambos os motivos, pouco importou à Justiça.
O fato é que as informações eram consistentes e propiciaram o desmonte da operação. É improvável, para dizer o mínimo, que irmãs de caridade ou frades missionários tenham muito o que oferecer à polícia, a não ser a expectativa da Eternidade.
Já com os bandidos é diferente. No caso em pauta, Marcos Valério acrescentou informações importantes que não constaram da ação penal 470.
Atribuiu a Lula o comando da quadrilha.
A acusação é grave – gravíssima - e é óbvio que não pode ser previamente acatada como verdadeira. Se a lei garante o benefício da dúvida a qualquer um, não seria um ex-presidente da República que iria ser privado dessa prerrogativa.
Mas é claro também que não pode ser desprezada. Os detalhes que Valério menciona podem – e devem – ser investigados, já que se trata de alguém que conhece os meandros daquela operação. Condenado a 40 anos de prisão, sabe que suas chances de atenuar a pena dependem da veracidade do que diz.
Portanto, ao contrário do que alegam seus ex-parceiros, é exatamente sua condição de condenado que confere às denúncias que faz – minuciosas e coerentes – contornos de verossimilhança.
Somente uma investigação profunda retirará dos acusados a pecha de suspeição. Se inocentes, como proclamam, devem ser os mais interessados em repor a verdade.
Ninguém está acima da lei. Nas monarquias absolutistas, o rei era inimputável; nas repúblicas democráticas, não.
É claro que Valério fez a denúncia tardiamente porque contava com o manto protetor do PT. Diante da condenação – e da hostilidade que os antigos parceiros passaram a lhe devotar -, decidiu abrir o jogo.
Pouco importa, porém, o que o impulsionou – se o medo, se o espírito de revanche ou se ambos. Importa que abriu uma caixa preta – e é indispensável que seja examinada, já que ele próprio é parte dela.
15 de dezembro de 2012
Ruy Fabiano é jornalista
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