"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 15 de dezembro de 2012

CARTAS DE BUENOS AIRES: TODAS SOMOS MARITA

 

Na noite de terça-feira, argentinos assistiram estarrecidos a absolvição dos treze imputados pelo desaparecimento de María de los Ángeles Verón. A reação de espanto e indignação foi imediata. A nação, em choque, levou às redes sociais sua repulsa. No dia seguinte, marchas por todo país demonstravam o clima de insatisfação com o veredicto.

No meio desse vendaval, está a indicada ao Prêmio Nobel da Paz Susana Trimarco, mãe de Marita (como era chamada). Depois de dez meses de julgamento, escutou calada, na noite de terça-feira, o tribunal inocentar os acusados de sequestrar, escravizar e prostituir sua filha. Depois de dez anos, sua busca continuou sem resposta.

No dia 03 de abril de 2003, Marita saiu de casa para uma consulta médica em Tucumán, deixando para trás uma filha de três anos, e nunca mais voltou. Três dias depois, testemunhas afirmam tê-la visto fugindo de um bordel na região de La Ramada.

Segundo relatos, ela teria sido encaminhada pela polícia à rodoviária para que pudesse regressar a casa. Mas Marita, então com 23 anos, nunca chegou. Nos dez anos que se seguiram, Suzana Trimarco buscou incessantemente pela sua filha adentrando o mundo obscuro do tráfico de pessoas na Argentina, chegando a se passar por cafetina.

Seu trabalho, libertando essas mulheres da escravidão sexual, lhe rendeu reconhecimento internacional e a indicação argentina ao Nobel da Paz. Mas, apesar de todo esse esforço, não conseguiu liberá-la da prisão de não saber o paradeiro de sua única filha.

Susana Trimarco e a filha de Marita, sua neta Micaela

Marita foi vista em bordéis e casas de vários dos acusados na província de La Rioja, segundo o relato de mulheres que estavam na mesma condição.

Era grande a expectativa de condenação dos proxenetas e cafetinas acusados pelo desaparecimento de Marita. O júri preferiu ignorar o relato dessas mulheres. Como escreveu Mariana Carbajal para o jornal PG 12: “Quem acredita em uma puta? Esse parece ser o veredicto”.

O problema de tráfico de pessoas na Argentina é grave. Investigações independentes de órgãos de direitos internacionais e ONGs ressaltam em relatórios a conivência de autoridades locais e do sistema judiciário com as máfias de prostituição. A mesma acusação recai sobre os responsáveis pelo julgamento do caso Marita.

Embora o caso de Marita seja apenas a ponta de um iceberg, é a cara visível de uma situação que vem se agravando pelo continente. Como disse uma ex- escrava sexual em uma mensagem ao advogado de Susana Trimarco: “depois do veredicto, me dei conta de que, para a justiça, somos umas putas e nada mais. Força, doutor, pois hoje somos todos Marita”.

 15 de dezembro de 2012
Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade.

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