"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 15 de dezembro de 2012

UM MINISTRO QUE ERRA TODAS AS PREVISÕES E SÓ ENXERGOU COM PESSIMISMO O PLANO QUE DEU CERTO MERECE SER CASTIGADO COM A DEMISSÃO

Assustado com a boa ideia da revista Economist, que recomendou a Dilma Rousseff a imediata demissão do ministro da Fazenda, Guido Mantega resolveu transformar em demonstração de amor à pátria a sequência de previsões equivocadas sobre o PIB, o crescimento industrial ou qualquer outra coisa supostamente calculável no mundo da economia. “Nunca vi ninguém ser demitido por otimismo”, anda recitando o profeta que não acerta uma.
 
A folha corrida de Mantega informa que o estado de ânimo oscila conforme as circunstâncias políticas, eleitorais e partidárias. Neste momento, por exemplo, não convém ser pessimista. É por isso que o vidente de araque faz o que pode para não admitir que a economia brasileira implora por urgentes correções de rumo.
Há 18 anos, com o PT na oposição, não convinha ser otimista em relação às correções de rumo feitas pelo Plano Real. Foi por isso que Mantega tentou provar que FHC havia pavimentado o caminho mais curto para o abismo.
 
No artigo “As fantasias do real”, publicado pela Folha de S. Paulo em 6 de julho de 1994, o economista companheiro comunicou à nação que o plano teria vida breve. Mas provocaria estragos tão devastadores que o Brasil demoraria algumas décadas para sair da UTI ─ se sobrevivesse ao desastre concebido por Fernando Henrique Cardoso. Confira sete trechos do besteirol, reproduzidos sem a remoção dos pontapés no bom português.
 
“Os arquitetos do real não pouparam sua imaginação para lançar velhas ideias com aparência de novas. (…) Chegaram ao ponto de reinventar os réis ou reais, uma nova moeda fantasiada do dólar e garantida por um lastro que não exerce nenhum papel prático, uma vez que o real não é conversível, a não ser o de dar a impressão de que o real vale tanto quanto a moeda norte-americana”
 
“Todo esse barulho para quê? Para vestir com roupagens sofisticadas e muitos truques de ilusão, mais um ajuste tradicional, calcado no corte de gastos sociais, numa contração dos salários, num congelamento do câmbio e outros ativos e, sobretudo, num forte aperto monetário com taxas de juros estratosféricas”
 
“A parte mais imaginativa do plano (…) revelou-se a mais perversa, porque passou a ideia de que os salários estavam sendo perfeitamente indexados e resguardados da inflação. Quando, na verdade, foram colocados em desvantagem (…) em relação a preços, tarifas e vários outros custos e ainda perderam os reajustes automáticos que a lei salarial lhes garantia”
 
“Os salários serão pagos em real, (…) uma moeda desindexada e totalmente vulnerável a corrosão inflacionária. (…) A regra de conversão dos salários pela média e dos preços, tarifas e outros custos pelo pico, matou dois coelhos de uma só cajadada. Reduziu preventivamente a demanda dos assalariados, que poderia aumentar com a queda brusca da inflação e comprimiu os custos salariais, dando uma folga para os preços”
 
“Vendeu-se a ideia de que o plano não utilizou o congelamento, quando, na verdade, congelou o câmbio, tarifas, alugueis e contratos. Só não congelou mesmo os preços e deixou os salários no limbo de um semicongelamento, com o ônus de correr atrás do prejuízo que será causado pela inflação do real”
 
“O real é um jogo de aparências, que pode durar enquanto não ficar evidente que as contas do governo não vão fechar por causa dos juros altos, que o mercado sozinho não é capaz de conter os preços dos oligopólios sem uma coordenação das expectativas por parte do governo, que os salários não manterão o poder aquisitivo por muito tempo, que o real não vale tanto quanto o dólar”
“As remarcações preventivas dos preços, junto com os congelamentos, permitirão uma inflação moderada em julho e, talvez, uma ainda menor em agosto. (…) A questão é saber em quanto tempo o grosso da população irá perceber que uma inflação moderada por si só, acompanhada por um aperto monetário e recessão, não melhora sua situação, não cria empregos e, na ausência de uma lei salarial e correções automáticas, pode ser tão deletéria quanto uma inflação de 30% a 40% com indexação”
 
Mantega nunca pediu desculpas por não ter acertado uma única vírgula do palavrório, desmoralizado pela vida real em poucas semanas.
O Real domou a inflação (que nunca mais voltaria a alcançar altitudes obscenas), livrou a moeda brasileira do raquitismo crônico, estabilizou a economia e fixou diretrizes que os governos seguintes mantiveram intocadas. Em julho passado, o plano que a pitonisa de hospício condenou a morrer na infância completou 18 anos esbanjando saúde.
 
Quem vai mal das pernas é o ministro, que já estaria desempregado se o PT não fosse um viveiro de economistas de alta periculosidade. A animação provocada no país que pensa pela sensata sugestão da Economist começou a esvair-se quando circulou a lista de candidatos à sucessão. Sem um Mantega por perto, Dilma Rousseff poderia chamar um Aloizio Mercadante para curar os males da economia. O que está péssimo sempre pode ficar muito pior.
 
Seja qual for o prazo de validade do atual ministro da Fazenda, não custa constatar que quem é invariavelmente contra quando é hora de ser a favor, ou teimosamente a favor na hora de ser contra, não é pessimista nem otimista: é oportunista, farsante, inepto ou idiota. Guido Mantega decerto se enquadra numa dessas qualificações. Ou nas quatro.

15 de dezembro de 2012
Augusto Nunes

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