A gente ouve coisas neste mundo. Estava eu em Dom Pedrito, quando um bom amigo, colega de ginásio, convidou-me para visitar seu campinho. Sua mulher havia herdado uma estância. Por campinho, lá naqueles pagos, entende-se algo como mil hectares de terra. Fui lá. Nos sentamos sob dois generosos plátanos e ficamos olhando para o vago dar-de-ombros das coxilhas. As sesmarias se estendiam até o horizonte, por todos os lados, e o campinho estava todo povoado de bois.
Evocamos nossos dias de adolescência, falei de minhas viagens. Foi quando ele, contemplando o gado que se perdia nas canhadas, suspirou com ar de saudoso:
- Meu sonho é conhecer Paris. Será que é muito caro?
A gente ouve coisas neste mundo. Nesta mesma Dom Pedrito, anos depois de ter deixado a cidade, conheci o Dr. Davi, como era chamado. Não era doutor nem judeu, mas um fazendeiro nordestino que resolvera montar seu campinho naquelas plagas. Tinha bom rebanho de gado, suponho que 500 ou 600 cabeças, isso sem falar nos ovinos. Era homem extremamente generoso. Quando fazia bons negócios, costumava distribuir dinheiro a quem encontrava na rua. Certa vez, em Porto Alegre, no Chalé da Praça XV, enfiou-me no bolso um pacote de dinheiro.
- Que é isso, Davi? A troco de quê?
- Ganhei um monte de dinheiro hoje. Fica com ele.
- Mas Davi, não estou precisando de dinheiro...
- Então repassa às tuas mulheres. Estou contente e quero fazer pessoas contentes.
Bom, se era para assistência social... Não reclamei e passei a redistribuí-lo a minhas amigas da noite.
O Dr. Davi me invejava. "Olhem esse menino. Ele vive batendo perna pelo mundo. Deve ser muito rico". Mal imaginava o generoso nordestino que eu vivia mais de susto que de dinheiro. Viajei muito, é verdade. Mas quase sempre na condição de estudante ou de jornalista de país de moeda fraca. Boa parte de minhas viagens eu as devo ao jornalismo. Outro tanto a bolsas. Isto é, não me custaram nada. Mas rico nunca fui. Eu tentava chamar o Davi à aventura.
- Vende uma dúzia de teus bois, Davi. Serei teu guia na Europa.
Nada feito. Pelo que me consta, o Dr. Davi nunca ousou nem mesmo ir a Montevidéu, ali do outro lado da Fronteira. Não era que fosse um mão-fechada, tanto que gostava de distribuir dinheiro. Acho que tinha medo do anecúmeno.
A gente ouve coisas neste mundo. Sem nenhuma sesmaria, sem nenhum rebanho de gado, amanhã devo estar tomando mais uma cerveja junto a este poeta. Depois da Brasileira do Chiado, mergulho na noite eterna do Ártico.
PS - Nos próximos dias, terei dificuldades para atualizar o blog. Quando puder, republicarei crônicas antigas.
18 de dezembro de 2012
janer cristaldo
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