Olavo de
Carvalho: Sonhando com a teoria final
A deleitação
utópica com que tantos cientistas sonham com a “teoria final” e se esmeram em
aprimorar os instrumentos lógicos para fundamentá-la não parece ser um prenúncio
de dias melhores para a espécie humana.
A prova lógica
perfeita independe das paixões e veleidades humanas. Independe de testemunhas e
até da existência de seres humanos. Impõe-se com a impessoalidade dos terremotos
e dos ciclos planetários. Mas estes são, na escala do universo, acontecimentos
limitados. Infinitamente acima deles, a prova lógica perfeita impõe-se com a
autoridade absoluta da vontade divina.
Aquele que
dispõe de uma prova lógica perfeita pode aceitar a discordância como um fato,
não como um direito. Em última instância, explicará toda divergência como fruto
da ignorância ou da perversão e, mais dia menos dia, desejará suprimi-la pela
doutrinação ou pela força.
Felizmente,
provas lógicas perfeitas só existem no domínio ideal, não dizem respeito às
realidades do mundo. Mesmo a ciência mais exata admite que seu reino não é o
das verdades definitivas, mas o das probabilidades e incertezas. Isso não impede
que muitos cientistas continuem sonhando com a “teoria final”: a explicação
unificada e cabal da natureza e de tudo quanto existe dentro dela – o que inclui
o ser humano com todos os seus pensamentos, desejos, emoções, crenças e
valores.
Os devotos
desse ideal, quando falam dele, apressam-se em reconhecer que “ainda estamos
longe” de alcançá-lo. A aparente modéstia dessa confissão esconde a fé de que
ele será alcançado. Inclui também o esquecimento de que, no passado, houve quem
acreditasse já tê-lo alcançado, já possuir ao menos em linhas gerais os
princípios fundantes da natureza inteira, e estar capacitado, portanto, a
aplicá-los a todos os domínios do conhecimento e da ação, modelando por eles a
sociedade, as leis, a cultura, a educação e a mente humana.
Em nenhum
desses casos a fundamentação chegava ao nível de uma prova lógica perfeita.
Incluía sempre alguns pressupostos não provados, às vezes incongruentes ou
incompreensíveis. Mas, em todo caso, comparada com o restante das opiniões em
circulação, a “teoria geral” parecia ser o que mais se aproximava de uma prova
lógica perfeita, tornando difícil, aos seus porta-vozes, resistir à tentação de
arrogar-se a autoridade ilimitada de um mandamento divino, sufocando toda
oposição como irracional e anticientífica.
Isso aconteceu
pelo menos três vezes na História. A primeira foi quando Sir Isaac Newton, tendo
obtido sucesso em deduzir de princípios mecânicos alguns fenômenos da natureza,
fez votos de que em breve se pudesse explicar pelos mesmos princípios todos os
demais fenômenos. O desenvolvimento posterior das ciências mostrou que o sonho
era impossível.
Mas, no século
18, à medida que o prestígio de Sir Isaac se espalhava pela Europa, esse sonho
foi tomado como realidade e se consagrou em doutrina sob o nome de
“mecanicismo”. Logo o mecanicismo transfigurou-se em projeto de reforma social e
começou a cortar cabeças – inclusive as de alguns mecanicistas insatisfeitos com
as consequências políticas da doutrina.
A segunda vez
foi quando a doutrina evolucionista de Charles Darwin, mal publicada, e embora
não fosse uma teoria de tudo, mas uma explicação abrangente da variedade dos
seres vivos, já foi aplaudida como chave geral da história humana e fundamento
científico tanto da guerra de raças quanto da luta de classes. Adotada com
ligeiras modificações pelos dois regimes totalitários que disputavam o poder no
mundo no início do século 20, serviu de fundamento ideológico à matança
organizada de uns 200 milhões de seres humanos. A terceira foi a proclamação do
marxismo como suprema explicação científica da evolução histórica e, no dizer de
Jean-Paul Sartre, “a filosofia insuperável do nosso tempo”. Deu no que
deu.
Nos três
casos, é inócua a tentativa piedosa de cavar um fosso intransponível entre o
núcleo “puramente científico” dessas teorias e os seus efeitos histórico-sociais
maléficos, atribuindo estes últimos exclusivamente à distorção ideológica
superveniente e à contaminação da “pseudociência”. Teorias científicas não
descem prontas do céu das ideias puras. Todas trazem no fundo algum elemento
ideológico, por discreto e indesejado que seja, o qual cedo ou tarde acaba por
subir à superfície da História.
Newton não
concebeu sua teoria gravitacional só para explicar determinados fatos da
natureza, mas como parte de um projeto abrangente de destruir o cristianismo
trinitário e substituí-lo por uma religião da “unidade absoluta” de inspiração
esotérica. É preciso ser muito sonso para não notar aí o alcance da ambição
totalitária subjacente.
Darwin e Marx
foram bem mais explícitos quanto às consequências previsíveis das suas teorias:
o primeiro aceitou o genocídio como fato normal da natureza, o segundo como
instrumento indispensável para a instauração do paraíso socialista.
06 de dezembro de 2012
Ricardo Froes
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