"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

RETROCESSO EVITADO

 


As questões conceituais mais polêmicas suscitadas pelo julgamento do mensalão foram passadas a limpo ontem na 50ª sessão, que deveria ser a penúltima.
Não é possível, no entanto, apostar que hoje os ministros consigam encerrar temas também decisivos, como a perda de mandato dos deputados condenados, e por isso o presidente Joaquim Barbosa já convocou preventivamente uma sessão extra para segunda-feira.
Ontem, tratou-se de dois temas que vêm dominando os debates políticos e acadêmicos: a duração das penas e uma suposta heterodoxia na interpretação das leis. Ambos os assuntos surgiram devido à proposta, esta sim heterodoxa, defendida pelo ministro Marco Aurélio Mello de considerar os diversos crimes praticados pelos réus condenados como de “continuidade delitiva”, o que reduziria as penas drasticamente.
O ministro Marco Aurélio chegou a citar “o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”, ao ressaltar que, “mais importante que a pena aplicada, é a condenação”. Para Marco Aurélio, “estamos diante de acusados autores de delitos episódicos. Não são elementos perigosos, que justifiquem o afastamento da vida social”.
O publicitário Marcos Valério, por exemplo, passaria de uma pena de mais de 40 anos a outra de pouco mais de 10 anos. Os advogados de defesa queriam tratar como um crime só lavagem de dinheiro e corrupção ativa, por exemplo, que os juristas classificam de tipos penais distintos.
Coube ao ministro Gilmar Mendes colocar o dedo na ferida:
“Chego a imaginar as ações do PCC (principal facção criminosa de São Paulo) contemplado no âmbito do artigo 71 (que trata da continuidade delitiva). Vejo que teríamos um desastre”.

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, disse que a prevalecer esta “concepção generosa de continuidade delitiva”, teremos “as situações mais absurdas”. Nós sabemos, ponderou Barbosa, que no nosso país há “grupos de quadrilhas das mais diversas naturezas, algumas extremamente brutais”.
A prevalecer a proposta defendida por Marco Aurélio e também pelo revisor Ricardo Lewandowski, o relator salientou que “nossos magistrados serão obrigados a aplicar apenas o crime de tráfico e ignorar os demais crimes de um membro desta quadrilha que tenha praticado crimes da pior espécie, como tráfico de drogas, porte de armas, corrupção, formação de quadrilha”.
O ministro Luiz Fux veio em auxílio à tese de que as penas não estão fora da razoabilidade ao lembrar que nenhum dos condenados recebeu pena além da média do que prevê a lei. E também que o procurador-geral da República queria que os réus fossem condenados por “crime material”, e o Supremo decidiu usar “crime continuado”.
Além disso, as lavagens de dinheiro foram contadas como apenas uma, quando alguns condenados a haviam praticado por até 40 vezes.
O ministro Gilmar Mendes, usando de ironia, disse que, se a tese dos dois progredisse, o STF estaria acabando com o crime de lavagem de dinheiro. E Joaquim Barbosa foi mais drástico:
“Esses dois votos na prática reabrem todo o julgamento depois de quatro meses”.

Na verdade, caso a esdrúxula proposta dos advogados de defesa vingasse, haveria uma reversão de expectativas na opinião pública, que veria como um retrocesso a redução das penas dos condenados.
Como o ministro Lewandowski continuasse insinuando que houve decisões “heterodoxas” no julgamento do mensalão, vários ministros voltaram ao tema.
Gilmar Mendes foi dos mais enfáticos: “(...) gostaria de deixar claro que aqui também não houve nenhuma revisão, mas o que há de heterodoxo neste caso? De fato é a prática delituosa. O que se praticou aqui é um caso realmente raro na crônica da criminalidade porque é a corrupção com recibo, de tão seguros que estavam que não haveria punição”.
O ministro Celso de Mello voltou a abordar o paralelo entre este julgamento e a ação 307, quando o ex-presidente Collor foi absolvido pelo STF por falta de provas. “Nesse caso (mensalão), o Ministério Público agiu com absoluta correção e indicou o ato de ofício em razão dos quais as indevidas vantagens foram oferecidas e também entregues. Portanto, não houve qualquer mudança de paradigma”.
Gilmar Mendes reafirmou que “o tribunal não rompeu com sua jurisprudência com a exigência do ato de ofício”.
Merval Pereira/O Globo

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